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Julio Gomes

Em rota de colisão com torcida, Petraglia não sabe como encher Arena

Julio Gomes

23/05/2018 04h00

Quanto vale a paixão do torcedor de futebol? Para Mário Celso Petraglia, nada. Ou quase nada. Não é para o apaixonado que o futebol deve ser feito. "Futebol é entretenimento", diz. Uma frase com a qual muita gente concorda, muita gente discorda. No mínimo, polêmica. Será que um magnífico teto retrátil tem maiores probabilidades de fazer alguém ir ao estádio do que um gol?

Na segunda parte da entrevista deste blog com o homem-forte do Atlético Paranaense, o principal tema é a torcida. Petraglia admite um erro de cálculo. Acreditava que a Arena da Baixada seria sucesso absoluto após a reconstrução visando a Copa do Mundo. "Achávamos que seria fácil colocar aqui 40 mil pessoas em todos os jogos. Tem muito pão duro em Curitiba".

Avisa que a biometria veio para ficar, à despeito das queixas e da perda de público, que vai insistir com torcida única na Arena, vaticina um futuro nebuloso para o arquirrival Coritiba e fala da "carga pesadíssima" de liderar o clube e as mais de duas décadas no divã.

Aqui vai a segunda e última parte da entrevista exclusiva do Blog do Julio Gomes com Petraglia. Para ler a primeira parte, é só clicar abaixo:

Petraglia: Diniz se encaixa no projeto e não sai nem se o Atlético-PR cair

Julio Gomes: Muitos torcedores do Atlético reclamam da biometria, houve queda no número de sócios, reclamam da política de preços na Arena da Baixada, de uma desconexão com a diretoria. O que você tem a dizer sobre tudo isso?

Mário Celso Petraglia: A biometria é uma medida de segurança e uma mudança de cultura. Sim, perdemos sócios porque aqui temos a cultura do jeitinho. O sujeito acha que pode passar para qualquer um usar. Precisamos mudar essa cultura. Devem haver umas 50 mil pessoas que frequentam o estádio e eles querem ficar se revezando nas cadeiras. E tem a segurança. No último jogo aqui na Arena (que havia sido contra o Atlético Mineiro, no momento da entrevista), quatro pessoas foram imediatamente presas, porque estavam com pendências com a justiça.

(o assessor do clube avisa que "o Corinthians normalmente vem com 20 ônibus para cá, no ano passado vieram só dois").

Você pode ouvir essa turma (mostra um desenho que simboliza a massa de torcedores do clube), essa não pode (mostra os "50 mil que vão ao estádio") e essa nunca (organizados). Você pode ouvir quem está distante. Esse pessoal (que vai ao estádio) tem uma contaminação muito maior. E esse aqui (organizados) tem interesse. Quer que você ganhe para ele ganhar. É uma sub-marca. Quanto mais forte for a marca, mais forte ele é. Agora esse aqui (que está longe) sim, é quem a gente busca. Estamos reféns deste grupo do meio.

JG: Na Europa, geralmente o sócio pode devolver seu ingresso para o clube revendê-lo.

MCP: O Barcelona, se você avisar que não vai 72 horas antes, eles te creditam o dinheiro na sexta-feira. Mas aqui tem mais lugares que sócios. Se tivéssemos 40 mil sócios, ou 36 mil, já que tem ainda os 10% dos visitantes, a gente poria à venda. O sócio põe o código dele à disposição e vende. Temos o sistema pronto para isso, mas tem mais cadeira do que sócio.

JG: Pois é. Como o Atlético vai chegar a esses 36, 40 mil sócios? Política de preços? Contratando jogador? Ou talvez se voltar um pouco para a paixão?

MCP: Essa resposta eu já tive. Já tive. Não tenho mais. No pré Copa, eu tinha absoluta certeza que pela qualidade do estádio, pela segurança, pelo conforto, 40 mil sócios seriam fáceis. Para garantir o seu lugar. Temos estimados 2,5 milhões de torcedores. Temos a população de Curitiba em 3,6 milhões. Então pegar 40 mil… teoricamente teria que ser fácil. Acreditávamos que seria fácil. Tem um problema cultural seríssimo. O futebol ninguém sabe se é público ou privado. Estamos sob o regime do direito privado, mas há interferência pública absurda. Estabelece preço do ingresso, metade pra idosos, professores, estudantes, etc. (Governo) não tem que dar nada para sua paixão. E o que ele (torcedor) dá em troca pela paixão dele? Zero. Só exige. O que o brasileiro faz para contribuir com sua paixão? 30 milhões de flamenguistas… o que eles consomem?

JG: O Palmeiras conseguiu chegar nessa equação do estádio cheio.

MCP: É momentâneo. Perde a Libertadores, perde aquele outro… esqueça. É um momento de euforia, uma bolha.

JG: Mas esse cálculo superestimado de pessoas que viriam à Arena, então…

MCP: Você me perguntou qual era a resposta (para conseguir sócios), eu disse que não tinha. Eu tinha lá atrás. Acreditava. Estava errado. Hoje, eu não tenho.

JG: O quanto isso compromete o projeto?

MCP: Nada. Pega o balanço do Flamengo. 8% de bilheteria. Na Europa, 30% para mais. No Brasil, bilheteria foi pro "caceta" por causa da televisão, da violência.

JG: Por falar em violência. Por que a aposta pela torcida única nos jogos do Atlético? O clube tem uma imagem positiva no país, de modernidade, vanguarda, por que enfrentar todos os torcedores de todos os clubes. Não teme arranhar essa imagem?

MCP: Não, não temo. Falem mal, mas falem de mim.

JG: Por que a torcida única?

MCP: É a visão. No médio, curto prazo, com a inteligência artificial, vai sobrar mais tempo para o homem. Esporte é entretenimento. Ele tem que ir com a família, tem que se divertir no dia do jogo dele. Sem medo.

JG: Esporte é mais que isso, não é?

MCP: Nas culturas mais desenvolvidas, não estão nem aí para perder!

JG: Eu não acho que não estejam nem aí…

MCP: Quando o outro vai atacar ele nem vê, vai tomar chope. Vai comer.

JG: Nos Estados Unidos talvez, mas não na Europa.

MCP: Mas qual é o país mais desenvolvido do mundo?

JG: Ah, eu teria algumas respostas que não são os Estados Unidos…

MCP: Não há dúvida que são os Estados Unidos. Eu não gosto, não me faz bem. Mas só é a nação que é pela cultura imposta, pela democracia, pela liberdade e pelo judiciário, que ali funciona para todos, não só preto e pobre.

JG: Então a torcida única se encaixa em uma ideia de que esporte é entretenimento, como nos Estados Unidos?

MCP: Claro. A médio e longo prazo. O que é a Copa do Mundo? Uma grande festa! Futebol é segundo plano para a maioria. Nós fomos sede de quatro jogos aqui em Curitiba. As pessoas vão ver o futebol como arte, como espetáculo.

JG: Não é cruel com quem é apaixonado pelo esporte, tirá-los da cena?

MCP: Cruel é a situação atual, que todo mundo é escravo dessa paixão maluca.

JG: Mas quero tirar da conta o animal que vai para o estádio matar alguém, bater em alguém. Tem muita gente apaixonada, que não vê o esporte só como entretenimento.

MCP: Isso é cruel, essa paixão.

JG: Mas vamos tirar essa paixão?

MCP: Por que não? Por que temos que ser escravos dela? O homem não pode ser escravo de nenhuma paixão.

JG: Essa paixão não move o futebol?

MCP: Não! O que move o futebol é dinheiro. É grana. É business.

JG: Essa ruptura com a arquibancada não pode custar alguma derrota eleitoral? A última eleição não foi fácil aqui…

MCP: Eu não ia participar, não queria mais, entrei no último mês… eram cinco ou seis grupos, se juntaram todos. Em quatro ou cinco entrevistas eu destruí eles.

JG: O projeto do Atlético é personalista?

MCP: Claro. Absolutamente personalista. E nem pode ser diferente. Tem que personalizar em alguém em algum momento.

JG: Mas temos outros projetos personalistas no Brasil que você abomina. Os Euricos Mirandas da vida…

MCP: Todos os projetos são personalistas. Os projetos de Einstein, Newton, Darwin, eram todos personalistas. Como vai fazer um projeto que não tenha a personalidade do cara que está fazendo? Agora. A diferença de Euricos para Petraglias é que meu projeto é pro bem e o outro foi pro mal. Abomino projetos personalistas destrutivos, não construtivos.

JG: Como garantir que este projeto continue?

MCP: Não somos donos do clube. Estamos donos do clube. E vamos propor fórmulas e maneiras de blindar e proteger nosso clube, dar continuidade ao projeto. Amarras estatutárias, abertura de capital, trazer um parceiro estratégico e de capital. Há modelos de Europa. Com isso, faz acordos de acionistas, governança corporativa, se moderniza para uma empresa ser dona.

JG: Mas esse tipo de coisa depende de muitas mudanças de legislação no Brasil.

MCP: Estamos trabalhando para isso. Também não é justo que você tenha SAs tributadas e clubes sem fins lucrativos, isentos.

JG: Neste futebol cada vez menos regional e mais nacionalizado, com a possibilidade de profissionalização real, mercados espremidos. O Coritiba vai acabar?

MCP: O Coritiba vai existir. O América do Rio existe. Não acabam. Mas a que nível vai existir? Essa é a pergunta. Não cabem três clubes de primeira grandeza em Curitiba, assim como não cabem quatro no Rio ou em São Paulo. Não tem mercado para faturar. Quatro no Rio faturando 640 milhões? Mas não há nenhum planejamento de médio e longo prazo. Clubes não têm uma pesquisa para saber a quanto andamos, as tendências. Ninguém se preocupa com o futuro, é o jogo da quarta e do domingo.

JG: Dizem que em cidades com duas forças destacadas um alimenta e empurra o outro. É assim aqui?

MCP: Em Curitiba, desequilibrou. O Paraná era um clube riquíssimo, uma fusão de cinco, com patrimônio enorme, que, por más gestões, ficou pelo caminho. Decidiu gastar, contratar os Luxemburgos da vida. O Coritiba deitou em berço esplêndido, era o mais rico, único campeão brasileiro, com estádio e achou que o que estávamos fazendo não atrapalharia a vida dele. Ficaram para trás, né? Então agora vai existir, mas a que nível? De primeira grandeza, entre os primeiros dez do Brasil, só cabe um aqui.

JG: Como está a relação? Teve aquela transmissão do jogo pelo You Tube, o Atlético invadiu o direito do Coritiba…

MCP: Não! Nós não vendemos! Qual prejuízo deu ao Coritiba?

JG: Não é bem essa a lógica…

MCP: Se não passar o jogo, aí ele que estaria me prejudicando.

JG: Pela lei Pelé, os dois precisam estar de acordo.

MCP: Depende, para a televisão sim.

JG: Por que parou de passar no intervalo então?

MCP: A Globo intimidou o You Tube. Se tivéssemos feito por vários canais, eu não teria parado. Quem ficou com medo foi o You Tube, depois nós restabelecemos no Facebook. O que trouxe de prejuízo? Se o mando era nosso, a renda era nossa…

JG: O mandante deveria ter o direito de fazer o que quisesse com seus direitos de transmissão?

MCP: Me preocupa muito. Na Europa, é assim, mas os clubes que se preocupam com o todo vendem em bloco. Mas na Espanha o governo teve de intervir, porque abriu um buraco imenso entre Real Madrid e Barcelona e o resto.

JG: Há um grande elogio à autogestão do clube, o Atlético fez, por exemplo, o estádio mais barato da Copa, sem passar pelos cartéis de empreiteiras. Mas há quem critique a autogestão por ser uma coisa quase familiar (diversos familiares de Petraglia tiveram produtos ou expertise comprados pelo clube) e também por perder eventos.

MCP: O que vou dizer sobre isso, a não ser meu desprezo? Mesmo agora fiz questão de trazer para o balanço valores que eu botei lá atrás, milhões de dólares para começar o projeto, que nunca tinha cobrado. Não vou dar ouvido para esse tipo de conversa. Eu só não fiz religião ainda nessa vida. Fiz grandes empresas, fiz política de altíssimo nível e fiz futebol. Jamais fui envolvido em qualquer desvio de alguma coisa.

JG: O senhor não vê um conflito ético?

MCP: Eu não administro de fora para dentro. Administro com a minha consciência. Eu seria o Ali Babá, teria de ter 40 ladrões aqui ao meu lado. Isso é ridículo. Jamais na história de um clube de futebol foi feito o que nós fizemos aqui, em um clube sem dono. Era um clube de várzea, de bairro, que não remendava a meia, que comprava roupa no botequim da esquina para poder jogar. Não tinha onde treinar, onde jogar, não existia. Em 20 anos, foi feito o clube mais rico das Américas, dito pela Soccerex. Não há preço pelo que eu dei ao clube, a cabeça do Mário Celso Petraglia ter doado seu trabalho, o networking, a experiência. Eu sou há 21 anos psicanalisado. 21 anos num divã. Cinco vezes por semana.

JG: Ah é? Fale mais sobre isso…

MCP: Vim muito de baixo, fiquei muito bem econômica e socialmente e fiquei descasado emocionalmente. Economicamente resolvido, familiarmente resolvido, socialmente resolvido e emocionalmente ancorado lá atrás, em cima do caminhão que me trouxe do Rio Grande com a família.

JG: Continuar tomando conta do Atlético é uma missão para mais quanto tempo?

MCP: É uma carga pesadíssima. Pesadíssima. Chegar em nono no ranking (da CBF) foi dez vezes mais fácil. Daqui para frente, o trabalho é insano.

JG: Por fim, como o senhor vê o quadro político do país?

MCP: Pelo quadro atual, não vejo grandes alternativas. Gostaria que o Joaquim Barbosa tivesse sido candidato, teria meu voto. Mas ele declinou e vamos aguardar. Pelo quadro que está aí… minha geração é a mais responsável por esse estado de coisas no país. A geração pós-Guerra, por omissão e por esse pseudo medo, o medo do bilateralismo, do pseudo comunismo. O espírito patriótico que minha geração tinha acabou. Acabaram com ensino público, privatizaram tudo, destruíram as universidades públicas, acabaram com movimentos estudantis, o clima de corpo estudantil, ou seja, uma destruição da educação e nós permitimos isso de forma passiva demais.

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Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.