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Diário da Copa: Bem-vindos a Mosquitogrado

Julio Gomes

20/06/2018 09h30

"Passe aqui esse óleo de baunilha que vai ficar tudo bem". E lá vem Andrey com um frasquinho. Ele pincela o óleo pelo meu rosto. Testa, bochecha, pescoço, nuca. Prooooooonto. Agora fique tranquilo que eles não vêm mais.

Eles, no caso, têm nome e residência fixa. São os "moshkas". Moram em Volgogrado, às margens do rio Volga. Sim, é incrível como algumas palavras se parecem. Mas olha. De moscas esses mosquitinhos irritantes não têm nada.

São milhares em volta de cada um de nós. Nos braços, rosto, tornozelo, no que quer que esteja exposto. Eu odeio mosquitos. Odeio qualquer coisa que voe e queira chupar meu sangue. "Não, Julio! Esses apenas comem tua pele". Puxa, Andrey, que bacana!

Primeiro, ri da reclamação dos ingleses sobre os mosquitinhos. Achei exagerada. Achei engraçada a cena deles espantando as moshkas durante o jogo contra a Tunísia. Depois, fiquei eu a travar uma batalha particular com aquele ataque aéreo constante. Volgogrado deveria se chamar Mosquitogrado! Andrey gargalha com a ideia.

A cidade já teve outro nome, pelo qual é mais conhecida. Stalingrado. E o que aconteceu aqui não teve nada de engraçado. Foram dois milhões de mortos na batalha mais sangrenta e decisiva da Segunda Guerra.

Durante 200 dias, entre agosto de 42 e fevereiro de 43, os alemães tentaram tomar o controle da cidade e do Volga. Os soviéticos seguraram as pontas. A partir dali, começou o contra ataque que acabaria com o nazismo pelo fronte oriental.

O estádio da Copa, construído em cima de ossos e munição, tenta reproduzir em sua fachada os fogos de artifício que anualmente celebram o Dia da Vitória (para os russos, a guerra começou só em 41 e acabou em 9 de maio de 45). O estádio fica em frente à maravilhosa estátua de 85 metros, a maior da Europa, chamada "Pátria-Mãe Chama". Uma mulher com uma espada em mãos conclama os seus a lutar.

Naquela colina, a Mamayev Kurgan, morreram milhões. Ao caminhar pelo memorial, ver a chama eterna, as paredes com tantos nomes.. você começa a ouvir o som de explosões e morte. Ele vem de um dos murais enormes que mostram cenas da Batalha. As fotos dos turistas se alternam com o silêncio.

É bonito. É histórico. É emocionante. É pesado. É quando vemos como somos pequenos. E quão longe chega a insanidade humana em sua sede de poder. Os filhos de Stalingrado seguraram sua cidade. Que deem a ela o nome que quiserem.

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Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.


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