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Por que, afinal, toda torcida acha que está "contra tudo e todos"?

Julio Gomes

22/01/2018 11h26

No domingo, o New England Patriots venceu um jogo apertadíssimo contra o Jacksonville Jaguars e se classificou para a final do futebol americano, o famoso Super Bowl. Não pare de ler. Não vou ficar discorrendo sobre a NFL, caso você não curta ou conheça nada deste esporte.

Apenas resumindo. Os Patriots se tornaram nas últimas duas décadas o clube mais vitorioso da história do futebol americano. Tom Brady, o craque do time, aquele que é casado com a Gisele Bundchen, chega a sua oitava final, um recorde. Já os Jaguars nunca chegaram a uma decisão e eram uma das chacotas da liga até o ano passado.

Estamos falando, portanto, de um confronto Davi contra Golias. Naturalmente, o mundo inteiro estava torcendo pelo mais fraco. Mas ganhou o mais forte. E com algumas decisões de arbitragem bem contestáveis.

Eis que estão surge esta imagem durante a transmissão.

Na tradução livre, temos ali um cartaz dizendo "New England contra tudo e contra todos".

E aí eu pergunto. Quantas torcidas, de qualquer time, de qualquer esporte, NÃO se consideram contra tudo e contra todos? Aqui no Brasil isso virou lema. Podemos até sair do futebol profissional. Na política e até mesmo em profissões em que não há competição (um ganha, outro perde) estamos todos os tempo todo achando que o mundo está contra nós.

Mas voltando ao tema.

O mesmo New England vai jogar a final contra o Philadelphia Eagles, um clube de muita tradição, mas que nunca venceu o Super Bowl. Os Eagles têm como arquirrival o Dallas Cowboys, que é o time mais popular dos EUA. Entre os rivais históricos, estão também New York Giants e Washington Redskins, times da maior cidade da capital do país.

Ainda assim, mesmo com tanta gente de clubes importantes detestando o time da Filadélfia, os Eagles terão apoio quase unânime dos não-torcedores dos Patriots na final de 4 de fevereiro.

Como explicar? Isso dá razão à plaquinha da foto acima, correto? Se todo mundo torce contra você, é porque você está jogando contra tudo e contra todos…

Não estou tão certo.

Há quem diga que os clubes que vencem muito, que são campeões toda hora, geram antipatia. E as pessoas, que antes eram indiferentes, começam a torcer contra.

Não dá para negar que isso aconteça. Um amigo jornalista e ex-colega de ESPN, Leandro Tavares, diz o seguinte. As pessoas torcem pelos underdogs (zebras) da vida porque elas se sentem underdogs na vida.

Tem sentido. Mas também tem muita gente que escolhe torcer pelo…. mais forte. Quer estar do lado vencedor. Aliás, a maioria das pessoas faz essa escolha. A torcida pelas zebras é eventual, não regra. Então não me parece haver uma regra entre estar a favor ou contra quem ganha.

Os próprios Patriots, 20 anos atrás, não apareciam na lista de franquias mais populares do futebol americano. Os títulos, ídolos, o sucesso, enfim, trouxeram fãs para o lado deles.

Mas por que ao mesmo eles estão alcançando rapidamente a franquia mais popular, os Cowboys, como os "mais odiados", como mostra essa pesquisa?

Por que outros clubes vencedores não são tão odiados assim? Por exemplo: o Barcelona. Sim, muita gente torce contra o Barça desde que eles começaram a ganhar tudo. Mas não dá para ver o Barça como um clube "contra tudo e todos", não é mesmo? Ele amealha muito mais seguidores do que inimigos mundo afora. Muito mais. O Barça tem pouca rejeição. Até o Bayern de Munique, fora da Alemanha, tem pouca rejeição. Já a Juventus, não. Tem bastante rejeição na Europa, fora da Itália.

Eu acredito que os clubes que ganham mais antipatia mundo afora são aqueles que, além de ganharem muito e de terem muitos fãs, possuem uma imagem de estarem sendo ajudados indevidamente por forças ocultas, exteriores ao jogo. Ora arbitragem, ora tribunais, ora federações. O sistema está do lado deles.

Esta é a imagem que o Corinthians e o Flamengo têm no Brasil, que o Real Madrid e a Juventus têm na Europa, que os Patriots têm nos EUA.

Não estou falando que ela condiz com a realidade, não entrarei neste mérito. Estou falando da imagem. Quem não torce por estes clubes, além de ficar incomodado com o sucesso e o número de torcedores deles, fica incomodado por achar que eles estão sendo constantemente beneficiados, que o sistema é essencial para tal sucesso.

E esta imagem gera o ódio, a bronca, a torcida contra.

Clubes não tão populares, como Chelsea, na Inglaterra, e RB Leipzig, na Alemanha, também geram antipatia. Aí o que explica é a injeção de dinheiro, o que faz com que eles tenham a imagem de ganhadores "artificiais", que não chegaram à riqueza atual por próprios méritos.

Todas as torcidas acham que seus clubes estão jogando contra tudo e contra todos. Todas. Mas algumas em menor nível, outras em maior nível.

Os que realmente acham que o mundo é feito de "antis" beiram a prepotência, pois se consideram mesmo o centro de universo. Só que eles acham que jogam "contra tudo e contra todos", que existe torcida contra, porque os outros têm inveja de seus títulos, de sua torcida, da sua beleza. Não fazem muita questão de tentar entender a razão de tanta bronca.

Eles estão errados.

 

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Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.


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