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É sério que seus Mundiais precisam ser carimbados por engravatados da Fifa?

Julio Gomes

27/10/2017 11h58

Acordei tarde, após mais uma madrugada tumultuada por minhas lindas (e não tão dorminhocas) bebês e me deparei com um trending topic de impacto no Twitter. SOU CAMPEÃO MUNDIAL.

Uau. Cliquei lá para ver do que se tratava. E do que se tratava? A Fifa reconheceu que os campeões intercontinentais entre 1960 e 2004 eram, de fato, campeões mundiais. E sabem o que este fato merece? Desprezo. E não comemoração.

Aqui no Brasil, temos uma incrível necessidade de chancelas oficialescas. Por exemplo. O mundo sério da bola sabe que a escolha mais confiável e embasada de melhor jogador do planeta é a Bola de Ouro, feita há décadas pela revista France Football. Mas, no Brasil, o peso maior é para o que diz a Fifa.

Tanto a Fifa também sabe que a Bola de Ouro é mais importante que comprou o prêmio anos atrás, para unificá-lo. Agora, desfeita a parceria, mudou de data, passou a olhar para a temporada (em vez de ano corrido). A Fifa rebola para conseguir o reconhecimento ao prêmio dela. Claro, com tanto dinheiro, tanta pompa e circunstância, é capaz que a Fifa ganhe, para sua gala, status parecido ao da France Football.

Por que dar tanto peso para uma entidade sabidamente corrupta, que tenta agora limpar sua barra após décadas de roubalheira e politicagem? Por que precisamos que alguns senhores engravatados, com charuto na boca e cartola na cabeça, nos digam quem é e quem não é campeão mundial?

Aliás, isso serve para o Brasil também. Todos sabem que o Brasileiro é Brasileiro desde 1971. E todos sabem que o Flamengo era o melhor time do Brasil em 1987. Eu não preciso da CBF e de suas politicagens e razões estranhas para definir o que é e o que não é. A história mostra o que é e o que não é.

Flamenguistas, gremistas, santistas, são-paulinos, vocês precisam mesmo da Fifa?

Essa necessidade de chancela é um atestado de fraqueza, a meu ver. Quem sabe o que é e sabe o que fez não precisa dos outros para reconhecerem seus feitos.

Quer uma chancela mais importante que a da Fifa? Deem uma passadinha pela associação de veteranos do Real Madrid, que fica ali no Santiago Bernabéu, e perguntem a eles o que eles acham do Santos dos anos 60. Ou então perguntem a Guardiola e Maldini o que eles achavam do São Paulo dos anos 90.

Eu diria, inclusive, que a Copa Intercontinental disputada até o fim do século passado era muito mais Mundial do que o que veio depois. Não por uma questão de formato nem de nomes. Mas uma questão de contexto do futebol. Até a lei Bosman, a União Europeia e o advento da Champions League moderna, os times europeus não eram tão fortes como hoje.

Eram fortes, claro, eram ricos, mas não eram verdadeiras seleções mundiais. Os clubes sul-americanos tinham muito mais bons jogadores retidos por aqui, tinham times muito mais competitivos. Até mais ou menos o ano 2000, quando chegava o Mundial, não era possível cravar um favorito claro. Tinha jogo. Tinha confronto de escolas, de estilos.

Alguém ousa dizer que o São Paulo de 2005 era o melhor time do mundo? Quem disser isso é louco. Os de 92 e 93, sim, eram. O de 2005 não era. Nem perto. Alguém ousa dizer que o Inter de 2006 ou o Corinthians de 2012 eram os melhores times do mundo? Sinto decepcioná-los, mas não eram. Não estavam nem entre os 10.

E o que nós, sul-americanos, precisamos, é mudar isso no campo e no que acontece fora dele. Precisamos que nossas economias sejam mais fortes, que nossas sociedades sejam mais justas, democráticas e organizadas, que nossos clubes sejam profissionalizados, que nossas federações e confederações saiam das mãos de mafiosos.

Hoje em dia, infelizmente, o futebol de altíssimo nível está só na Europa. Isso não é vira-latismo. Isso é constatação. Vira-latismo é continuar tratando o futebol como é tratado por aqui, vira-latismo é precisar que alguém em um escritório da Suíça nos diga que fomos campeões mundiais em tal e tal ano.

Buscar carimbinho da Fifa quer dizer pouco. Ou quase nada. Talvez o melhor trending topic para hoje seja um simples "EU JÁ SABIA".

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Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.


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