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Duas razões para não gostar da Copa do Mundo com 48 seleções

Julio Gomes

11/01/2017 18h48

Muito se falou e está se falando sobre a Copa do Mundo com 48 seleções, uma decisão que a Fifa já anunciou e será colocada em prática a partir de 2026. Em regra, são críticas e mais críticas.

Temos de levar em conta que geralmente as pessoas reclamam de mudanças. Reclamam sem antes ler, pensar, ouvir opiniões. Mudou, reclamou. O conservadorismo impera. No entanto, neste caso específico da Copa, creio que o incômodo geral tem razão de ser.

Começamos pelo motivo principal: a Fifa ganhar (mais) dinheiro. Não dá para cair na ladainha toda, na retórica dos dirigentes. A Copa inchou para a Fifa ganhar dinheiro. Ponto. Rentabilizar seu produto. Sim, ficará mais "democrática", dará a chance para países que nunca participariam de um Mundial. Isso é legal. Mas não é a razão verdadeira.

São dois, a meu ver, os grandes problemas deste novo formato de Copa do Mundo. Duas coisas que me incomodam muito mais do que o argumento de "vai cair o nível técnico".

Eu entendo o argumento do nível técnico, mas creio que não vá cair para muito abaixo do que já está. A Copa já perdeu quando foi ampliada de 24 para 32 seleções, com mais seleções pouco competitivas da Ásia, África e Concacaf. Já temos jogos ruins – ou pelo menos jogos entre quem não chegará a lugar algum. Na verdade, o nível do futebol de clubes está muito acima do de seleções há bastante tempo.

O que sim é um problema muito maior é, na prática, o fim das eliminatórias. Porque, convenhamos, praticamente todo mundo vai estar em uma Copa com 48 países. São 211 federações que compõem a Fifa e tem umas 50 e tantas ali que nem como todo intercâmbio do mundo terão um time competitivo um dia.

Basta ver o que aconteceu nas eliminatórias europeias para a inflada Eurocopa-2016. Perdeu nível. Deixou de exigir dos times mais fortes.

As eliminatórias são muito importantes para termos uma noção do nível em que se encontra cada seleção. Com amistosos, não é possível fazer essa avaliação. Tampouco será com eliminatórias de competitividade quase zero.

Na Europa, onde já é muito raro as grandes potências passarem apuros, possivelmente veremos o mesmo acontecer com seleções médias. Na América do Sul, onde as eliminatórias são ultracompetitivas, haverá vagas para 6 ou 7 entre 10! Tipo, Brasil e Argentina podem jogar com o time Z. Não terão problemas. E o mesmo acontecerá nas outras confederações, onde os "grandes" nem precisarão se esforçar mais. Isso se não juntarem Conmebol com Concacaf, aí é capaz que todas as seleções sul-americanas se classifiquem.

Isso gera perda de competitividade e, claro, de interesse. Em nome de uma Copa do Mundo com mais países envolvidos, a Fifa estará fazendo o já cada vez mais escasso interesse pelo futebol de seleções ir bueiro abaixo ao longo do ciclo entre um Mundial e outro.

E isso, claro, agrada aos clubes europeus e Uefa. Menos espaço para seleções, mais peso para as competições de clubes.

A segunda razão pela qual detesto a decisão da Fifa ainda é extra-oficial: o formato de competição com 16 grupos de 3 seleções.

Horroroso. Que entre três seleções, duas passem de fase? Pouca competitividade e gigantescas chances de resultados combinados, que interessem aos dois envolvidos na última rodada. Grandes chances também de empates triplos. Que serão decididos como? Sorteio? Ranking? Cartões? Sério mesmo?? Isso sem contar na vantagem esportiva que terá a seleção que fará o primeiro e o terceiro jogos, com um descanso no meio que as outras não terão.

José Mourinho é um que diz preferir grupos com três, em vez de quatro times. Dizem os defensores deste formato que há também muitos jogos "combináveis" em grupos de quatro. E há jogos que não valem nada, o que não acontece com grupos de três.

Ficou uma imagem de jogos amarrados, com "ônibus estacionados" na fase de grupos da Eurocopa. Só que ali havia um detalhe: alguns terceiros colocados se classificavam. Isso foi horrível para a fase inicial da competição. Portugal, que seria campeão, passou de fase com três empates.

Todo mundo que já montou tabela de alguma coisa na vida – campeonato de botão, torneio escolar, o que seja – sabe que grupo de três times é problema. É simplesmente ruim. Assim como grupos de quatro em que alguns terceiros colocados avançam.

Ventilaram a hipótese de 16 seleções classificadas para a Copa e outras 16 saindo de um mata-mata. Seria muito menos pior do que 16 grupos de 3.

Não quero aqui dramatizar demais, não acho que estejam matando a Copa do Mundo. Mas estão matando, sim, as eliminatórias. E criando um formato bizarro para que a Fifa agrade os parceiros e ganhe mais dinheiro. Sem ir mais além, razões suficientes para não gostar da decisão dos cartolas.

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Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.


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