A linha tênue entre o vira-latismo e o reconhecimento
Julio Gomes
17/08/2016 16h27
Ele é latente quando brasileiro fala de futebol.
Gosto sempre do equilíbrio.
Por exemplo. Em relação à torcida, ao público espalhado pelos diversos locais de competição nessa Olimpíada.
É óbvio que temos algumas coisas a aprender sobre comportamento convencional em esportes específicos. Não temos cultura esportiva. Por que não aprender?
Todos sabemos que no tênis, durante os pontos, a convenção é fazer silêncio. O tênis é um esporte relativamente popular, jogos são transmitidos nas TVs daqui há anos. Mas o que sabemos sobre o tênis de mesa? Também se faz silêncio? Simplesmente não sabemos. E na esgrima? Em que hora a comemoração ou tentativa de empurrar está invadindo um espaço do atleta?
Por que não ouvir humildemente e conhecer as convenções de cada esporte?
Por outro lado, não temos que aprender nada nem ouvir nada sobre "jeito" de torcer dentro dessas convenções. Gritar mais, menos, etc. Isso é de cada um, é cultural. Somos o que somos e isso deve ser respeitado.
No boxe, o barulho da torcida é para lá de comum. Se um gosta de urrar, o outro de aplaudir, o outro de gritar "uh, vai morrer"… oras… cada cidadão que faça do jeito que preferir. Idem para o basquete, o vôlei, a maioria dos esportes "de estádio". Não gosto quando se critica excesso de barulho ou "paixão" da torcida brasileira em modalidades onde haver barulho é normal.
É por isso que chamei de "mimimi" o que fez o francês derrotado por Thiago Braz na final do salto com vara. Ao mesmo tempo, é preciso ter humildade para entender como funciona o esporte "normalmente". Ter um pouco de empatia, vestir as sandálias dos outros.
Outro exemplo de vira-latismo versus vira-latismo ao contrário.
Técnicos estrangeiros.
Será que Thiago Braz e Isaquias Queiroz ganhariam medalhas, não fossem os técnicos estrangeiros?
Será que teríamos handebol e polo aquático ganhando jogos antes inimagináveis, não fossem os estrangeiros no comando das seleções brasileiras?
Precisamos nos curvar, sim, ao maior conhecimento. As federações de diversos esportes acertaram em cheio ao investir e trazer gente de fora. Não há nada no mundo mais frutífero que intercâmbio. Aprender com outras culturas, outras visões, outras técnicas.
Isaquias não estaria ganhando medalhas, talvez nem competindo em alto nível, não fosse o treinador espanhol Jesús Morlán. Foi ele mesmo quem disse.
Isso não é vira-latismo. É reconhecimento.
Vira-latismo seria dizer: nenhum esporte brasileiro vai conseguir alguma coisa sem técnicos estrangeiros. Vimos na ginástica, por exemplo, como a chegada dos ucranianos foi um divisor de águas. Mas, a partir disso, o esporte ganhou corpo e vida próprios. Entre os homens, Marcos Goto e Renato Araújo são dois dos grandes responsáveis pelos êxitos de Arthur Zanetti e Diego Hypolito.
O quanto eles aprenderam e absorveram dos estrangeiros? Certamente, muito.
No vôlei, possivelmente tenhamos mais a oferecer do que importar. Como foi com o futebol nos bons tempos (hoje, não mais).
Somos bons em algumas coisas, não tão bons em outras, péssimos em outras. O mesmo serve para todas as outras nacionalidades. Trocar informações e experiências faz a sociedade inteira evoluir. Menosprezar, não.
Tenho amigos que respeito muito e que não perdem uma chance de vestir uma incrível camisa nacionalista. "Quem são eles para virem nos dizer o que fazer?". São discursos quase xenófobos, não conhecesse eu o caráter deles. Assim como conheço gente que despreza tudo que venha ou seja do Brasil. O verdadeiro exemplar do complexo de vira-latas.
Acho até que muitos achem que eu seja assim, por estar constantemente criticando o futebol brasileiro e mostrando como seria bacana copiar algumas coisas que funcionam na Europa.
Mas vejam. Assim como sou entusiasta da organização do futebol europeu e dos desenvolvimentos tático e de métodos de treinamento, eu não gosto do futebol asséptico do mundo das arenas ultramodernas de ingressos caríssimos (ou seja, copiamos justo o que não deveríamos copiar).
Me dá até medo ver a seleção feminina de futebol perder, para não ter que ouvir os verdadeiros vira-latas falando groselhas. Assim como me dá medo a seleção masculina ganhar o ouro, para não ouvir o cidadão no outro extremo, aquele com complexo de pitbull.
Como já disse aqui neste post, o importante é buscar o equilíbrio.
Falar só bem ou só mal de tudo e todos é fácil. Ouvir é uma arte.
Sobre o Autor
Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.
Sobre o Blog
Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.