Zinedine Zidane é um herói nacional na França. Afinal, apesar da ascendência argelina, fez todo o discurso xenófobo ficar soterrado no gramado de Saint Denis com os dois gols na final da Copa de 98. Talvez a França nunca mais ganhe uma Copa, vai saber. Se ganhar, talvez não leve também a Eurocopa dois anos depois. Zidane é o rosto da França multicultural e vencedora.

No Brasil, o craque também é hiper respeitado. Afinal, brasileiros costumam venerar muito os que mostram valor especificamente contra o Brasil. Zidane o fez em duas Copas, 98 e 2006. Outros craques do mesmo quilate de Zidane não fizeram o mesmo contra a seleção brasileira. Portanto, não são colocados no mesmo patamar.

Em outros lugares do planeta, ali pela Europa, Zidane é respeitado como um grande jogador de futebol que foi. Um grande craque – mas não um dos 3 ou 5 maiores da história.

Em Madri, no entanto, Zizou ganhou status de semideus.

Eu tinha a nítida impressão que o torcedor madridista valorizava mais Zidane até do que os próprios franceses. Era o futebolista perfeito. Sem falhas, sem pontos negativos, não havia nada de errado.

Particularmente, sempre achei Zidane um craque, mas supervalorizado. Em nenhuma hipótese, na minha visão, ele poderia ser colocado no patamar dos Pelés, Maradonas, Cruyffs, Messis, Di Stéfanos. Dois gols em uma final de Copa e o gol mais lindo das finais de Champions (aquele de 2002) ajudaram a alçá-lo a um nível, talvez, acima do merecido (mas não é sobre essa polêmica que o post se trata).

Zidane não se notabilizou, ao longo da carreira, pela velocidade ou a quantidade de gols e assistências, por exemplo. Mas, sim, se notabilizou pela inteligência e pela classe absurdas.

Felizmente, tive a chance de ver dezenas de jogos de Zidane no Bernabéu, ali ao pé do campo. Infelizmente, peguei os anos derradeiros da carreira. Muitos jogos em que não fazia absolutamente nada em campo. Mas de repente voava um balão para o meio do campo e o mundo parecia parar quando ele dominava a bola sem uma gota de suor ou mexer um fio de cabelo. O estádio vinha abaixo, ainda que o lance não significasse nada para o jogo.

O Real Madrid se orgulha disso. O madridista se diz um torcedor exigente, que não quer apenas vitórias, mas futebol de classe, refinado, vistoso, plástico. Dizem eles, esta é a digital do clube.

Por isso, por mais que José Mourinho tenha encarado o melhor Barcelona de todos os tempos, não bastava com ganhar "de qualquer jeito". Por isso, nunca um técnico com Rafa Benítez daria certo no clube. Treinadores que dão importância à defesa maior do que o torcedor madridista gosta estão fadados ao fracasso.

Zidane era a personificação de tudo o que o madridismo venera. Não se envolvia em polêmicas dentro ou fora de campo. Falava pouco. Não batia. Jogava com classe, tratava a bola com um grande pintor renascentista tratava sua obra de arte. Transpirava tanta confiança que passava, ao torcedor, a sensação de superioridade. E ainda por cima metia golaço às vezes.

Todo clube tem uma cara, uma filosofia, um jeito de ser – os clubes brasileiros tiveram um dia, mas foram perdendo isso ao longo dos anos. Zidane, em campo, era a cara do Real Madrid.

E aí, no enésimo momento de crise das gestões de Florentino Pérez, a quem ele recorre para substituir Benítez?

Pérez teve um período de seis anos na presidência, entre 2000 e 2006, e agora está no segundo, lá se vão quase mais seis anos. Já foram trocados 10 treinadores no Real Madrid nas gestões de Florentino.

Sob a batuta deste presidente, o Real Madrid funciona muito mais como um clube brasileiro do que os outros gigantes europeus. Há pouca continuidade, pouca segurança e a vontade dos jogadores e do próprio presidente falam muito mais alto do que a estabilidade dada aos técnicos.

Pérez mandou embora, por capricho, dois treinadores amados por jogadores e torcedores e, além de tudo, campeões europeus: Vicente del Bosque, na primeira presidência, Carlo Ancelotti, na segunda.

O único treinador que "demitiu" Pérez foi Mourinho. Mas isso porque o português se adiantou. Sobraria para ele, e ele sabia disso no momento em que bateu de frente com alguns dos mimados jogadores do clube. E nenhum jogador do mundo é tão mimado quanto um jogador do Real Madrid, pois é assim que são tratados pela presidência.

Em uma temporada com maus resultados, mau jogo e uma goleada humilhante em casa para o Barcelona, Florentino Pérez não aguentaria mais 5 minutos sendo vaiado pelas arquibancadas do Bernabéu.

Mais prático é apontar o dedo para o treinador da vez. E mais prático ainda é se blindar, dando a cadeira para um dos maiores ídolos da história do clube.

Zidane não tem currículo para ser técnico do Real Madrid. É um cidadão extremamente inteligente e que aprendeu como auxiliar de Mou e Ancelotti. Pode dar certo. Pode dar errado. Guardiola tampouco tinha currículo para ser do Barcelona, em 2008, mas deu no que deu.

Naquele caso, no entanto, parecia ser a aposta em uma filosofia. No caso do Real, tem muito mais pinta da enésima atitude populista de um milionário egocêntrico que se apossou do clube mais rico do planeta e que não tem, na lista de preocupações, medo de jogar ídolos na fogueira.