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Salvação da arbitragem passa por tecnologia e profissionalização

Julio Gomes

04/09/2015 05h44

Júlio Gomes: Desconfiar é legitimo. Acusar é irresponsabilidade

De arbitragem, falaremos a vida toda. Muita gente se pergunta se em outros lugares se fala tanto de arbitragem quanto aqui. Eu digo: na Inglaterra, não. Na Espanha, certamente sim. Ou mais.

No futebol, a arbitragem é muito mais complexa e decisiva que em outros esportes. E é fato que os debates fazem parte da cultura do esporte – mas não pode ser aceitável esse argumento como forma de não buscar o progresso.

Depois de mais essa rodada cheia de erros no Brasileiro e muito ter se falado (e gritado), vão aqui alguns pontos de vista.

1) É legítimo desconfiar de arbitragens. A história de futebol é recheada de roubos e escândalos. Máfia de loteria, de apito, dirigente molhando a mão de jogador, escalação irregular proposital, enfim. Não é que o esporte mais popular do mundo tenha passado em branco durante esses 100 anos. Aliás, tem dirigente da Fifa enjaulado e tem gente fazendo fortuna em casas de apostas lá do outro lado do planeta neste exato momento.

Então não gosto de dois discursos que andei vendo com frequência. O da "arbitragem é honesta e apenas comete erros, sem dolo – até que se prove o contrário" e a pergunta desafiadora: "se não acredita na lisura, por que continua vendo?".

Oras, não tenho dúvidas de que a maioria esmagadora dos erros sejam apenas isso – erros. Assim como me reservo o direito de desconfiar de alguns deles e não adotar a postura de "é proibido desconfiar se não tiver como provar". A história suja do futebol me permite isso. Quanto à pergunta… olha, as audiências mostram que bastante gente está, sim, deixando o futebol para lá pois não tem confiança no que está vendo. Eu continuo porque amo o esporte e sou um profissional. Mas eu mesmo estou me reaproximando aos poucos, pois o suspeitíssimo desenlace do campeonato de 2013 ainda me incomoda – e deveria incomodar todos os que se importam com o campeonato.

Sobre o ponto 1 acima, recomendo leitura deste post de Gian Oddi no ESPN.com.br. Concordo integralmente. E vamos ao 2.

2) É leviano e irresponsável falar que o campeonato está comprado pelo Corinthians, que exista esquema, etc. Existe um abismo entre a legitimidade da desconfiança e a certeza e afirmação sem provas.

Cartolas que hoje gritam amanhã estarão quietinhos quando algum erro beneficiar o próprio clube. Aqui, concordo com os corintianos (dirigentes, jogadores, técnico, torcedores, jornalistas, etc) que ficam indignados quando o assunto é tratado dessa forma.

Sim, é verdade que foram cometidos erros em sequência nos jogos do Corinthians e do Atlético Mineiro que fizeram a distância entre os dois ser maior do que deveria.

Mas isso não apaga o fato de o Corinthians estar atravessando uma fase maravilhosa e o Atlético estar sofrendo em seus jogos. Se o Atlético seguir colocando nas arbitragens a culpa de todos os seus males, o campeonato está acabado. Há outros problemas que o Galo precisa resolver que pouco têm a ver com o apito. Já o Corinthians tem mérito, muito mérito.

Era o favorito absoluto ao título quando o campeonato começou (na minha visão). Perdeu jogadores importantes, passou por um momento ruim, se reinventou após o desmanche e não é à toa que lidera o torneio. Não seriam 14 jogos de invencibilidade se tivesse perdido do São Paulo ou do Avaí – se livrou de ambas as derrotas por erros de árbitros. Mas não é a invencibilidade a prova da superioridade corintiana neste momento da competição. Basta ver os jogos.

3) O corintiano fica bravo quando falam em "apito amigo". Oras. Negar a realidade é uma estupidez. É lógico que o apito sempre foi mais amigo do que inimigo do que Corinthians. Qualquer um aqui pode fazer uma enorme lista de jogos grandes, importantes, em que o Corinthians foi beneficiado nos últimos 20, 30 anos. Já o contrário não é tão fácil. Teve o Amarilla. E… o Amarilla. E… qual mais mesmo?

Só que o Corinthians não é único. O mesmo serve para todos os times grandes do mundo. Real Madrid, Barcelona, Juventus, Flamengo, Boca Juniors, Benfica, etc, etc, etc, etc. Existe uma hierarquia no futebol. E árbitros têm medo.

O árbitro Sandro Meira Ricci em ação

Sim, isso mesmo, medo. Eles são humanos. Sujeitos a pressão enorme. E sabem muito bem que errar feio contra poderosos pode ser muito mais prejudicial à carreira (e até à vida, dada a insanidade com que alguns tratam o futebol) do que errar em favor dos poderosos. Na dúvida, sempre para o time da casa. Quem não conhece essa máxima da sobrevivência? Serve da várzea à Copa do Mundo. Na dúvida, sempre para o grandalhão.

Para mim, mais do que qualquer esquema, do passado ou do presente, essa é a grande chave. Árbitros não são devidamente treinados e protegidos. Quando saem do campo, estão sozinhos na selva. Sendo achincalhados em TVs, rádios e shopping centers. Colocando a integridade física da própria família em jogo. Tendo sua idoneidade contestada a cada cinco minutos. Ouvem a mãe sendo xingada até quando dormem. Eles têm MEDO. Eu teria.

E tem mais. Eles têm medo também de verem a carreira prejudicada por erros que incomodem poderosos. Caírem na geladeira ou no ostracismo.

A consequência dos medos todos é, queiram ou não, voluntariamente ou não, um apito muito mais amigo do que inimigo dos grandes/populares/midiáticos.

4) Como fazer para tirar peso da arbitragem no futebol?

Para mim, são dois pontos. Um, mundial. O segundo, mais para a nossa realidade. O primeiro ponto é usar, de vez, o recurso da tecnologia em mais casos durante uma partida. Qualquer pessoa pode observar que em VÁRIAS ocasiões o quarto árbitro canta a bola para o árbitro principal, corrigindo o que poderia ser um erro importante. É o uso extra-oficial da tecnologia, apesar das negativas dos envolvidos.

É necessário oficializar. Para a linha do gol é a coisa mais óbvia. Mas também para linha de fundo, das áreas e, claro, marcação de impedimentos. Sim, é preciso pensar na melhor maneira de usar o replay sem quebrar demais o ritmo de um jogo. Mas entre um ritmo quebrado e um gol anulado equivocadamente por um impedimento mal marcado… me parece não haver discussão.

É caro? Bom, até onde eu sei Fifa e CBF não têm problemas de caixa.

E a segunda coisa é a profissionalização da arbitragem. Não é admissível que todos no futebol sejam profissionais exclusivamente dedicados ao esporte e os árbitros levem a campo preocupações de outra natureza.

Árbitros precisam assistir a centenas de jogos. Daqui, das Américas, da Europa. Precisam observar o que fazem jogadores, suas características de jogo (de queda, de comportamento corporal, disciplina, etc). Precisam se reunir semanalmente, analisando o trabalho de todos e debatendo lances, unificando critérios. Precisam, sim, dar explicações e estar mais expostos ao debate público, justificando decisões, assumindo erros.

É preciso que se faça um trabalho sério de avaliação de árbitros. Não pode ser que, assim como se faz na imprensa, apenas um lance capital aqui ou ali renda geladeira a um profissional. É preciso analisar o conjunto da obra. Que haja uma espécie de pontuação para acertos e erros cometidos durante todas as partidas. E, através de mérito, não nome ou amizades ou sorteios fajutos, árbitros possam subir de divisão e receber a missão de comandar os jogos mais sensíveis. Ou, se errarem muito, serem tirados do cenário.

Não, não vejo a profissionalização da arbitragem funcionando sob comando da CBF. Mas enquanto dirigentes de clubes não pararem de agir como torcedores na mesa do bar e não se sentarem para resolver os problemas importantes do futebol brasileiro, tudo continuará como está.

Com profissionalização e tecnologia, 90% das grandes falhas seriam dizimadas. E seria mais fácil identificar arbitragens realmente estranhas e investigá-las (aqui remeto ao ponto 1 deste mesmo post). Porque juiz que está querendo armar jogo não deixa para dar ou não dar pênalti no último minuto, meu amigo. Há várias táticas mais eficientes e menos espalhafatosas. Edilson já nos ensinou.

Hoje em dia está tudo tão ruim que é muito fácil chamar o ruim de estranho. E daí para a perda total de credibilidade é um passinho.

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Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.


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