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Fernandinho no lugar de Paulinho é caminho natural na seleção

Julio Gomes

24/06/2014 07h42

No futebol, análises por um gol, um jogo, um lance costumam ser arriscadas e pouco confiáveis. Infelizmente, é a maneira como nos habituamos a ver futebol no Brasil e também, para ser justo, em alguns lugares da Europa. Não gosto. Prefiro ver tudo de forma mais ampla. Mas é fato, admito, que às vezes um gol, um lance, um jogo são, na verdade, o resultado final de um processo em andamento.

Neste momento, após os três jogos da seleção brasileira pela primeira fase da Copa do Mundo, o processo em andamento é: Fernandinho a ponto de ocupar a posição de Paulinho no time titular.

O jogo contra Camarões, na segunda-feira, não representa muito. O Brasil goleou a que era, talvez, a pior seleção da Copa do Mundo – ainda por cima, sem os dois jogadores principais. Mas o fato é que o time só engrenou no segundo tempo, após a substituição de um pelo outro.

"A entrada do Fernandinho foi boa. Quando a gente coloca alguém no time é porque está observando o trabalho e acha que naquele momento é o melhor. Nem sempre a gente acerta. Tem uma frase importante na vida: a natureza não dá saltos, é devagar. As coisas vêm acontecendo normalmente", disse Luiz Felipe Scolari após a partida.

A natureza não dá saltos.

Ela deu na carreira de Paulinho. Um jogador que se desenvolveu tarde, foi parar na Lituânia e Polônia na adolescência, onde não deve ter aprendido muito futebolisticamente. Caiu na quarta divisão paulista, Bragantino até, afinal, aparecer para o mundo no Corinthians. E fazer gols importantes em dois anos vitoriosos da história do clube mais popular de São Paulo, um dos dois mais mediáticos do Brasil. É isso. Não é o mesmo dar o título da Libertadores ao Corinthians que a outro clube, mesmo que grande, mas com menos gente falando sobre o tempo todo.

Para Fernandinho, a natureza não deu saltos. Foi uma carreira mais consistente e linear. Fez parte das seleções de base e foi o autor do título do Mundial sub-20, em 2003 – daquele time, por exemplo, saiu também Daniel Alves. No ano seguinte, era titular de um Atlético Paranaense que perdeu o título brasileiro (de pontos corridos, já) na reta final para o Santos. Foi para a Ucrânia, jogou dezenas de partidas de Champions League, no nível mais alto em que se pode atuar. Não saiu antes porque é casca tirar alguém do Shakhtar Donetsk. Chegou maduro à principal liga de futebol do mundo. Foi titular e campeão pelo Manchester City.

Paulinho também chegou neste ano à Premier League. Em um time pior, o Tottenham, não conseguiu se firmar. Claro que é só o começo.

Fernandinho, pelo desenho de sua carreira, era tiro certo. Dificilmente não funcionaria no City, dificilmente não vai funcionar nos próximos anos. Paulinho é uma interrogação. Vai vingar na Inglaterra, no alto nível europeu? Pode ser que sim. Pode ser que ano que vem esteja de volta ao nosso "espetacular" Brasileirão.

Minha aposta? Paulinho irá, sim, funcionar. É bom jogador. E tem uma característica que, se bem explorada, pode ser fundamental para qualquer time, como foi para o Corinthians: fazer gols. Mas precisará ir além disso nos próximos anos. Parece ter cabeça para tal.

Na seleção, após alguns bons momentos na Copa das Confederações do ano passado, quando dava sequência ao ótimo momento no Corinthians, ele agora faz uma péssima Copa do Mundo, dando sequência à temporada ruim no Tottenham. O sistema de jogo do time não facilita a vida dele, como o de Tite facilitava, com laterais que eram mais defensores do que atacantes. As obrigações defensivas limitam Paulinho na seleção e ele não parece conseguir atacar com propriedade por ter de defender.

Fernandinho, que nunca havia sido um primeiro volante na vida, foi um 5 no Manchester City, ao lado do magnífico Yaya Touré e por trás de um monte de atacantes no esquema ofensivo de Manuel Pellegrini. Deu conta do recado, com sobras.

Em 2002, Scolari preferiu expor o time e escalar Juninho Paulista no meio de campo porque queria goleadas na fase de grupos, resultados que dariam confiança ao time. Quando a coisa apertou nas oitavas, contra a Bélgica, ele preferiu se precaver. Kleberson entrou e já foi titular contra a Inglaterra, nas quartas de final.

O futebol mudou, mas o cenário é parecido. Fernandinho dá mais consistência defensiva a um meio de campo que inexistiu na primeira fase. E, ainda que tenha menos gol do que Paulinho, tem, também, a habilidade de chegar à frente e habilitar companheiros. Contra o Chile, perder o meio de campo é aumentar muito as chances de perder o jogo.

Muitos acham Felipão um técnico teimoso. Não vejo assim. Vejo nele, um treinador que acompanhei de perto em muitos torneios grandes, um homem de convicções. Que, como todo mundo que tem convicções, às vezes acaba "teimando" e não tomando uma decisão que parece óbvia para muitos. Mas já vi, muitas e muitas vezes, Felipão mudando rumos no meio do caminho, fazendo o que um verdadeiro teimoso não faria. Ele revê mais conceitos do que pensamos.

A natureza não dá saltos. Sem saltos, parece natural que Fernandinho seja titular contra o Chile. Pelas carreiras, pela temporada que passou, pelo que vimos contra Camarões. Às vezes 45 minutos são suficientes para esclarecer muita coisa.

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Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.


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