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O time de Neymar

Julio Gomes

03/06/2014 18h07

Os primeiros passos para triunfar no futebol de alto nível são entender o jogo, conhecer bem os adversários e tentar derrotá-los de forma coletiva.

É o básico. E que está cada vez mais presente, de forma quase que integral, nos grandes times da Europa, onde se joga o futebol de mais alto nível. No mundo das seleções, as tarefas dois e três ficam mais complicadas.

A segunda, óbvio, porque as seleções não atuam com frequência e mudam bastante de escalação e formação. A terceira, pelas mesmas razões, basicamente. É difícil um time que não treina junto ser coletivo. Aí entra a mentalidade dos jogadores para compensar o desentrosamento.

No Brasil, não aprendemos a valorizar nem a jogar o futebol coletivo (aliás, um retrato da nossa sociedade e seus variados setores). Em nosso país, priorizamos o individual, o cada um na sua, o faz o teu que eu faço o meu, o se dar bem. No futebol, isso acaba se transformando em valorizar aquele que resolve as coisas sozinho, o que decide, mesmo que não necessariamente o jogador tenha atuado de forma a beneficiar o time durante aquela partida.

Eu sempre digo que a seleção brasileira é um mundo à parte do futebol brasileiro. E isso acontece porque a seleção beneficia-se muito do êxodo de jogadores daqui para a Europa.

Lá, o talento puro ganha forma de talento em nome do benefício comum. Ao aprender posicionamento, jogo compacto, etc, o jogador aprende que faz parte de uma engrenagem. E que quanto mais contribuir para que engrenagem funcione, mais irá tirar benefício próprio dela.

São valores invertidos. Juntando talento a espírito coletivo, tem-se a fórmula vencedora. Trazer esse espírito que os caras têm nos clubes europeus para dentro da seleção foi o grande mérito de Luiz Felipe Scolari, um homem especialista em formar grupos e fazê-los acreditar no possível e impossível.

Pois bem. Dito tudo isso, voltamos ao primeiro parágrafo deste texto. Se todos conseguirem entender o jogo, conhecer rivais e jogar de forma coletiva, teríamos um grande impasse no futebol. Um monte de empates.

E é verdade que, nos grandes campeonatos, isso acontece de forma cada vez mais frequente. Jogos quase de xadrez, que às vezes são considerados até "ruins" ou "chatos" pela ausência de chances de gol – resultado do eficiente jogo coletivo e a perfeição defensiva.

E é aí, somente aí, que entra o talento. O jogador que interfere no equilíbrio. Claro que, no futebol de alto nível, muitos "impasses" (gostei do termo!) são desfeitos por golpes de sorte ou por erros cruciais de arbitragem. Mas, em circunstâncias normais, é mesmo o talento. Mas vejam bem, quero reforçar. Não é confiar no talento e que se dane o resto. É, uma vez que as bases do jogo e trabalho estejam sólidas, acreditar no talento como solução para resolver impasses.

São muitos os jogadores no futebol e na própria seleção que podem mudar o rumo de uma partida ou campeonato. Mas são poucos os que podem fazê-lo de forma sistemática. Neymar é um deles.

O primeiro jogo amistoso de preparação para a Copa do Mundo não foi disputado em condições ideais. Por razões políticas, acabou sendo jogado no estádio Serra Dourada, em Goiânia. Um campo de extensões bem maiores que os da Copa e com gramado alto, o que faz a bola correr menos. Ou seja, como simulação, não serve para muita coisa.

Serve, sim, para corrigir erros e construir confiança. Para consumo externo, ganhar e golear é o que vale. Aumenta a sensação de trabalho que está sendo bem feito, isola as vozes críticas. E foi isso que o Brasil conseguiu.

Para consumo interno, no entanto, a história é outra. Com Felipão, está a responsabilidade de compreender o que foi o jogo. E foi um jogo bem esquisito até os 26 minutos do primeiro tempo, quando Neymar fez um golaço de falta e mudou o destino do amistoso. Até lá, o que se viu foi um Brasil preguiçoso em campo, apertando pouco o Panamá e tentando bolas longas e inúteis. Um time sem ideias.

A formação era um claro 4-4-2, com Oscar caindo pelo lado (assim como Hulk) e deixando Neymar absolutamente livre, como um segundo atacante, flutuando em torno de Fred. Felipão saiu do banco, gesticulou, reclamou e algumas vaias começavam a aparecer no Serra Dourada.

Neymar fez mais do que abrir o placar. Salvou o Brasil das vaias. E, a partir do 1 a 0, como sempre será, ainda mais em jogos contra times mais fracos, a coisa andou com mais tranquilidade. Sempre, sempre, sempre, no entanto, o jogo teve a mesma característica: tudo passava por Neymar.

Para o bem e para o mal, a seleção do Brasil virou o time de Neymar. Para o bem, porque ele é um jogador absolutamente fora do comum. Para o mal, porque ainda dá sinais de muita imaturidade quando provoca, com dribles e verbo, os pobres jogadores de uma seleção fraca e sem nada a perder – dispostos, apenas, a manter a honra intacta.

Neymar fez o primeiro gol, deu a assistência para Hulk (o segundo melhor do time) fazer o terceiro e fez a jogada do quarto, de Willian (aliás, melhor Oscar, desaparecido em campo, abrir o olho. Além de ter feito uma temporada melhor, Willian vem treinando muito bem e pode repetir, na seleção, o que fez no Chelsea: ganhar a preferência do treinador).

O erro seria acreditar que o talento de Neymar vai resolver tudo. Mas o acerto, e esse vem sendo o grande acerto de Felipão, é trabalhar todas as facetas do jogo (ideal coletivo, conhecimento dos adversários, etc) e, aí sim, como recurso para quebrar impasses, confiar no talento de Neymar. Sem ele, não há chance alguma de o Brasil ganhar a Copa. Com ele, inserido em um espírito de time, é bem provável que ganhe.

 

 

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Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.


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