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Chega de redomas. Que o futebol preste suas contas

Julio Gomes

23/01/2014 15h27

O caso Sandro Rosell-Neymar-Santos-Barcelona é um. O caso Héverton-Fluminense-Sestário-Portuguesa-Flamengo é outro.

Dois imbróglios. Como tantos os que vimos e vemos no futebol, os dois casos nos deixam aquela sensação de "tem caroço nesse angu", "onde tem fumaça, tem fogo". Resumindo: "aí tem".

O problema é que somos muito acostumados, aqui no Brasil, a deixar de lado o "aí tem". Logo entram posições exacerbadas, a ideologia aparece na discussão, os poderosos usam a mídia como sempre, para favores e ajudinhas, e, de repente, o "aí tem" vira o "é melhor deixar como está". Isso, no Brasil, serve para quase tudo. No futebol, no entanto, isso não é exclusividade nossa. É coisa de quase todos os lugares do mundo.

Se existem jogos manipulados e escândalos na Alemanha, que é o país importante mais sério do mundo, junto com o Japão, para qualquer que seja o tema que queiramos abordar, imaginem só o que não acontece no resto do planeta bola.

É que para nós, que amamos esse esporte, às vezes é melhor simplesmente fechar os olhos para essas coisas. Para jornalistas, grupos de mídia e envolvidos no futebol, só traria prejuízos ver a grande diversão do povo ser desmascarada e cair como um castelo de areia. Empregos seriam dizimados.

Mas o compromisso de todos nós, jornalistas ou não, sempre, deve ser com a verdade. Doa a quem doer. O que estamos vendo na Espanha e no Brasil, neste momento, é tão raro quanto relevante. Que a Justiça dos dois países pare e dê atenção para coisas que simplesmente não podem passar sem que sejam investigadas.

O caso Neymar é um escândalo e deve ser tratado como tal. Pessoalmente, disse em minhas tribunas, e na época eu comentava jogos na ESPN, que me parecia claríssimo que Neymar iria parar no Barcelona.

À época, e conhecedor como sou dos jornais espanhóis, me pareceu muito esquisito aquele final de 2011. Havia uma guerra entre Barcelona e Real Madrid por Neymar. Os jornais da capital (Marca e As) chegaram a dar como certo Neymar no Real, e nestes mesmos dias os jornais de Barcelona (Sport e Mundo Deportivo) simplesmente pararam de falar do brasileiro. Aí, de um dia para o outro, do nada, a coisa se inverteu. Neste momento, para mim ficou cristalino qual seria o destino do jogador.

Os jornais de lá ficam sabendo dessas coisas. Mas muitas vezes não podem publicar, é o ônus das relações próximas demais com os dois clubes. Só que, para bom entendedor, meia palavra basta. Um silêncio, às vezes, fala mais alto do que uma notícia. E a mudança de postura dos quatro jornais, na época, dava a letra do que estava por vir.

Poucos dias depois, no começo de novembro de 2011, veio aquele anúncio bizarro de renovação aqui em Santos. Em que a data de contrato era diminuída, sem que fosse anunciado o valor da multa. Para mim, e agora parece claro que eu tive a leitura correta da coisa, havia sido feito um acordo. Neymar seguiria no Santos por mais tempo, o que dava ao presidente do clube a chance de sambar na cabeça de todo mundo e bater no peito, como se fosse o grande patrono do Santos e do futebol brasileiro. Mas o atacante já tinha destino certo, o Barcelona, e restaria apenas saber quando. Possivelmente, ao final da temporada 2012. Ou então 2013 (que foi o que aconteceu). Valores? Nada a negociar. Já estava tudo negociado e até mesmo pago.

Os tais 40 milhões de euros a Neymar pai apareceram, ou melhor, desapareceram das contas do Barcelona, como mostrou no ano seguinte um dos dois jornais catalães (agora não me lembro qual). Já estava tudo certo, pago, arrumado. Na hora certa, seria feito mais um acordo pontual, mais um jogo de cena. Que foi o que fizeram um pouco menos de um ano atrás.

As "tentativas" do Real Madrid, no ano passado, me pareceram muito mais algo de quem já sabia o que tinha ocorrido, mas queria dar uma satisfação à torcida, fingindo que ainda estava tentando e botando a culpa no jogador por ter escolhido o rival. Jogo de cena puro.

O "problema" é que a tal da DIS botou grana nesse menino. E iria querer receber seu percentual exato da operação. E eu, se fosse dono da DIS, ficaria p da vida ao ver que tantos milhões foram pagos ao Santos em nome de prioridade na contratação de certos jogadores. Oras bolas. Esses tantos milhões seriam pagos, não fosse o negócio de Neymar?? Como assim esses valores NÃO são considerados parte do pagamento de Neymar?? É chamar de bobo, dar um tapa na cara e ainda querer beijinho.

O outro "problema" é que, ao contrário do que se fez por essas bandas, o Barcelona não conseguiu enganar e calar todo mundo por lá. Jornais sérios, um deles o "El Mundo", começaram a jogar luz sobre algumas coisas. E o negocião foi sendo desmascarado pouco a pouco, a pedido de um sócio, em denúncia aceita pela Justiça. Antes mesmo de qualquer veredicto ser anunciado, Sandro Rosell renuncia ao posto que mais quis na vida: a presidência do Barcelona. Não dá para ter admissão maior de culpa no cartório.

Que a Justiça de lá vá até o fim. Para que todos saibamos quanto exatamente o Barcelona pagou para quem. Que o Santos fique com a parte dele, que tem de ser de 60%, somado tudo o que foi pago. E que a DIS fique com a parte dela. Não sou fã de grupos de empresários comprando jogadores de futebol, sou totalmente favorável a direitos econômicos ligados a entidades desportivas. Mas… o combinado não sai caro. E o investidor tem de receber o que dele é de direito enquanto a lei seguir sendo a porcaria que é.

E que a Justiça de cá também vá até o fim no caso que mudou a classificação final do Campeonato Brasileiro. Bato palmas para o Ministério Público de São Paulo, que rapidamente percebeu que era necessário ir além. Estamos todos de saco cheios de teorias conspiratórias. Que tudo seja investigado, investigado de verdade, por entidades isentas. Por que, afinal, dois erros bizarros de escalação de jogadores irregulares ocorreram justo na última rodada do campeonato? Vejo os auditores e promotores do nefasto STJD pouco preocupados com isso desde o início. Parece que agora, afinal, iremos para frente com investigações que devem e precisam ser feitas.

Uma entidade como a CBF não pode continuar fazendo o que quer, como quer, do jeito que quer com o futebol brasileiro. Esse é um país de leis. E o futebol não pode estar acima delas.

Cá, como lá, não seria nada mal que tudo isso acabasse com renúncias e, por que não, xadrez nos envolvidos.

 

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Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.


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