Mundial não me engana. Galo ganhou o que tinha que ganhar
Julio Gomes
18/12/2013 20h16
Nem o futebol brasileiro é tão bom quanto o europeu porque o Corinthians ganhou do Chelsea. Nem é tão lixo porque o Atlético perdeu do Raja Casablanca.
Está passando da hora de contextualizarmos o tal Mundial de Clubes. E, por favor, tirar peso deste torneio. Não pode mais ser concebível que clubes de futebol abandonem a principal competição nacional para jogar um torneio contra clubes que não dão o mesmo peso.
Um bom amigo jornalista, são-paulino fanático e, como tal, defensor do "tricampeonato mundial" como feito maior de seu clube, um dia me confessou a boca pequena. "Julinho, já cobri vários Mundiais. E nunca tem um jornalista sequer de outros países. É só brasileiro. Só nós ligamos para isso".
Há quem traga para a mesa a "análise" besta do "é claro que os europeus se importam com o Mundial, olha a cara de triste que eles ficam quando perdem". Oras bolas. Se eu jogo futebol na praia com os amigos, não vale absolutamente nada, mas eu fico puto quando perco. Todo mundo que entra em um campo, quadra ou praia para jogar bola entra para ganhar. E não gosta de perder.
Mas qual é a pressão da vitória? Uma coisa é o "Se ganhar, legal". Outra, bem diferente, é o "se não ganhar, ferrou". Uma coisa é um jogo "bacana de vencer". Outra coisa é "fazer o jogo da vida". Onde se encaixam os times brasileiros? E os europeus?
Será que eles fazem a preparação adequada para aquele jogo? O tempo perdido com estudos, as perguntas em entrevistas, a análise do adversário, a adaptação a clima e fuso horário…
No futebol de hoje em dia, o Mundial simplesmente não pode ser usado como medida para comparar times daqui e de lá. Não é possível comparar abacaxi com banana. Somente uma análise estrutural, de nomes, da tática, dos componentes físicos e técnicos do futebol jogado nas ligas domésticas é que nos permitem comparar os de cá com os de lá. Eu não me engano por resultados.
Com toda a priorização que os times brasileiros dão para o Mundial, nenhum, nos últimos 15 anos, quando o abismo se formou, deu passeio em ninguém. Mesmo contra times de localidades como Ásia e África. Já os europeus, mesmo encarando e se preparando para o Mundial do mesmo jeito que o fazem para a Audi Cup, dominam de forma avassaladora. As partidas, não necessariamente os resultados.
O Liverpool era um time médio da Inglaterra quando massacrou o São Paulo por 90 minutos. O Chelsea não era o melhor time da Europa no ano passado e, ainda assim, teve chances claríssimas de gol para evitar a derrota para um Corinthians que era, há um ano, o único time "europeu" do nosso futebol em tática e estilo. Os resultados importam para o torcedor, claro que importam. Mas não pode ser definitivo na hora de ser feita uma análise fria.
O futebol brasileiro precisa, urgentemente, se desprender de resultados para analisar sucesso e fracasso, pontos fortes e fracos. Não é porque a seleção brasileira tem uma história tão vencedora que o futebol brasileiro está no mesmo nível.
Libertadores sim, Libertadores também, analisamos os rivais sul-americanos com um bando de "ninguéns". E o Atlético teve uma dose de sorte gigantesca para passar de Tijuana, Newell's e Olimpia. E perdeu do Raja jogando bastante menos do que um rival… marroquino.
Temos um futebol que está neste nível aí. De times sul-americanos, de bons times asiáticos, africanos. Um pouco acima, possivelmente. Mas muito mais perto deles do que dos europeus. A seleção da Bola de Prata do Brasileirão é emblemática. Dá para fazer 3 ou 4 times melhores com os brasileiros que estão na Europa. Os melhores estão lá. E taticamente, aqui, nada se cria, tudo se copia.
Entendo que o torcedor de futebol queira tanto ganhar os Mundiais. Mas clubes brasileiros deveriam evitar frustrações como as de hoje. Preparando-se por uma semana ou preparando-se por seis meses, a história será a mesma: favoritismo contra o time de outro continente, possível vitória, mas às vezes um tropeço. E jogo "para não perder feio" contra o campeão europeu, que em 90% das vezes será bastante, bastante, bastante superior.
O Atlético ganhou o campeonato que está a seu alcance, um torneio gigantesco. E não deveria abrir mão do outro torneio que está a seu alcance, a competição nacional.
O Mundial precisa ter para o Brasil o mesmo peso que tem para a Europa. Legal, mas ninguém vai morrer se não ganhar. Assim, resultados como o do ano passado ou como o desse, talvez, parem de nos enganar. O Atlético é melhor que o Raja Casablanca. Mas perdeu. Talvez porque tivesse a certeza de não ser tão pior assim que o Bayern. Que está em outro planeta. Voltemos para a Terra, amigos. Resultados do passado não garantem nossa qualidade para todo o futuro.
Sobre o Autor
Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.
Sobre o Blog
Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.