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Luxa e o velho discurso dos técnicos que sabem tudo

Julio Gomes

12/11/2013 06h14

Foi Jô Soares, no programa "Bem, Amigos" de ontem, quem perguntou a Vanderlei Luxemburgo. Por que diabos tanto mimimi quando se fala da possibilidade de um técnico estrangeiro assumir a seleção brasileira?

A resposta foi firme, contundente. E não foi inédita. "Quero ver se esses caras de lá teriam a capacidade de trabalhar com o orçamento e as condições que trabalhamos aqui".

"O Mourinho tinha 500 milhões de euros para montar o time da Inter. Assim é fácil ser campeão da Europa", bradou Luxemburgo.

Bom, primeiramente, o erro de informação aí é grotesco. O companheiro Felipe Lobo ajudou com este link, que mostra que antes de conquistar a Champions a Internazionale ganhou mais com venda de jogadores do que propriamente com a compra. Não teve nada disso de "orçamento ilimitado", como alguns técnicos gostam de jogar ao vento. Não foi por causa de José Mourinho que Massimo Moratti precisou vender a Inter, como insinuou Galvão Bueno na sequência do programa.

Aquela Inter vendeu Ibrahimovic e Mourinho apostou em Eto'o. Em Pandev. Em Milito. Comprou bem Wesley Sneijder, desprezado pelo Real Madrid. Tirar o mérito daquela Champions especificamente é algo brutal. Mourinho pegou um dos times mais losers do cenário europeu e transformou em campeão do continente. Que técnico brasileiro teria a capacidade de fazer o mesmo? Eu respondo: nenhum.

No cenário europeu, os dois técnicos mais vencedores do Brasil foram mal. Luxemburgo, no Real Madrid, e Felipão, no Chelsea. Por razões diferentes, não só por culpa deles, sem dúvida. Mas fracassaram, não deram certo.

Então, antes de os técnicos brasileiros virem com um "queria ver esses caras aqui", seria legal pensar também em um "queria ver os nossos por lá". Por que ninguém vai? Por que ninguém se arrisca? Por que ninguém pega um time pequeno ou médio e faz, lá, a mesma trajetória que fez aqui?

Querer que Guardiola ou Mourinho treinem no Brasil é que nem querer que Bill Gates vá resolver problemas de Windows em uma Lan House da Rocinha. "Se for bom mesmo, vem consertar aqui, amigo!". Ou então querer que os Rolling Stones arrebentem no sertanejo universitário de todas as semanas.

Oras bolas. Os caras batalham, ganham títulos, espaço, crescem na profissão, viram figuras mundiais mas, para provar que são bons mesmos, tem que descer uma escadaria de 548 degraus na carreira?? Por favor…

Luxemburgo traduziu um pensamento corrente entre os treinadores brasileiros. Não todos, sem dúvida, nunca é legal generalizar. Mas da maioria, especialmente os mais velhos, os mais consagrados. O pensamento de que o técnico brasileiro não triunfa por lá porque não quer ou porque não deixam, o tal do preconceito. Curioso não haver preconceito com jogadores daqui nem com técnicos de outros países sul-americanos. Coitadinhos.

O futebol é tratado de maneira empírica no Brasil. Deu certo no passado, vai dar certo no futuro. É muito mais papo, motivação, intuição do que estudo, dados estatísticos, métodos. Não à toa, com a barreira do idioma, os técnicos brasileiros não conseguem desenvolver fora o mesmo desempenho, não conseguem ter sobre os jogadores de lá a mesma força mental que têm sobre os daqui. O gogó não funciona do mesmo jeito. Ainda mais um gogó enrolado.

O treinamento no futebol evolui a cada ano. Há softwares de scout (caríssimos, por sinal), utilizados por todos os clubes das grandes ligas europeias para analisar adversários, contratar jogadores, etc. Só está chegando agora no Brasil. A seleção brasileira não tinha nada disso até abril passado, não sei se tem hoje. Há cursos de treinadores, congressos, encontros, troca de informações que fazem o esporte se desenvolver. Por aqui? Nada. Pouco.

Tite passou por um período de estágio na Europa antes de voltar e trazer, de lá, o sistema que consagrou o Corinthians. E vejam só! Já ficou para trás. Até o Barcelona já ficou para trás e só agora, em 2013, há no Campeonato Brasileiro mais times usando atacantes para pressionar a saída de bola rival do que os que não o fazem. Os campos do nosso futebol continuam tendo jogo jogado em 60, 70 metros, o dobro de lá. Os zagueiros continuam precisando de sistemas de sobras. Em regra, está tudo bastante atrasado.

Inclusive Vanderlei Luxemburgo.

Foi o maior técnico do Brasil por bastante tempo. E entende tanto de futebol que, mesmo sem fazer a menor questão de aprender o que está se fazendo lá fora, como ele deu a entender na entrevista, ainda conseguiu ganhar alguns campeonatos estaduais e algumas classificações para a Libertadores recentemente.

Luiz Felipe Scolari teve, pelo menos, a humildade de implementar na seleção brasileira um sistema que está sendo usado lá fora há anos. O 4-2-3-1 com campo aberto, pressão dos atacantes, chegada dos volantes e nada de sobra. O Brasil joga à europeia, mas com o que há de moderno, mostrado pelo Bayern e o Borussia na temporada passada. Há, aqui e ali, coisas interessantes em nosso campeonato. Mas ainda é pouco. E muito demorado.

Os treinadores brasileiros dividem-se entre os, em regra, mais jovens, que percebem que há algo errado na própria formação. E vão buscar informações, vão buscar bagagem teórica, leituras, cursos, conhecimento. E os, em regra, mais velhos, consagrados, que acham que já sabem tudo no futebol.

A arrogância está arraigada em nosso futebol. A prepotência vai de cima a baixo, do técnico ao massagista, do jogador ao comentarista. Adorei a expressão de Jones Rossi, repórter aqui do UOL. O Brasil fez o complexo de vira-lata se transformar no completo de pitbull no futebol.

Vejam. Acho que os treinadores são, sim, vítimas em um sistema perverso de demissões, proteção NENHUMA e má gerência no futebol. A escola brasileira morreu, sumiu, e a CBF não faz nada para mudar isso, segue com seu curso "me engana que eu gosto" de treinadores. Não há escola para profissionais, não há uma linha a seguir. Somente aquela velha filosofia de jogo: "o que importa é ganhar, seja como for". Os técnicos são vítimas. Mas têm sua parcela de culpa, sim.

É lamentável se enconder atrás do discurso do "queria ver o que eles fariam aqui". Especialmente sabendo que eles nunca virão para cá, não tem razão alguma para isso. Não é aqui que está o futebol de mais alto nível do planeta. Então joga-se essa ideia com certo tom nacionalista no ar e sem medo algum de que ela seja desmontada um dia.

Meu caro Luxemburgo, com teu discurso atual, não vai dar certo. Vá para lá. Aprenda. Se renove. Conheça novos métodos. Troque ideias. Até para não usá-las. Na vida, sempre há algo diferente para ver, conhecer, sentir. O que você sabe de futebol já não basta. Olhar para os últimos 5, 6 anos e não ver nada de errado em você, não só nos outros, é um problema seríssimo. Vá, abra a cabeça e depois volte. Se puder trazer Mourinho para a minha Lusa, agradecerei. Mas acho que você não vai conseguir. Traga ideias e aprendizado na bagagem. E tenho certeza que seus times voltarão a dar gosto de ver.

Porque os últimos…..

 

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Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.


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