O problema do ranking bizarro da Fifa é que agora ele tem consequências
Julio Gomes
16/10/2013 06h00
Ranking da Fifa. Aquele negócio que sempre ouvimos falar, que o Brasil ficou 500 anos em primeiro lugar. Depois, o Brasil caiu, despencou, e ele meio que virou um critério para avaliarmos como andava mal das pernas a seleção. Nunca passou disso. Informação que não rendia nem meia hora de debate em mesa de bar.
Nunca alguém se preocupou muito como funcionava o ranking da Fifa. Ele não servia para nada.
Aí, de repente, ele serve para tudo. E vai criar bizarrices tremendas nesta reta final de eliminatórias para a Copa do Mundo e no sorteio dos grupos do Mundial, em dezembro, em Salvador.
Já ficaram definidos os cabeças dos oito grupos: Brasil (por ser sede) e, na ordem do novo ranking que será divulgado: Espanha, Alemanha, Argentina, Colômbia, Bélgica, Uruguai (falta garantir classificação) e Suíça. O segundo pote, seguindo a mesma lógica, teria: Holanda, Itália, Inglaterra, Chile, Estados Unidos, Bósnia-Herzegovina, Portugal e Grécia (estas últimas duas, caso se classifiquem na repescagem europeia). A Fifa, no entanto, pode adotar o padrão geográfico e deixar oito europeus neste pote.
Perceberam? É verdade que Bélgica, Colômbia e Suíça fizeram eliminatórias mágicas. Mas só isso é suficiente para ser cabeça de chave em uma Copa do Mundo? Que ranking é esse que tem a Holanda lá na oitava colocação?
Dois exemplos nítidos de bizarrices.
No ranking atual, a Holanda está na nona colocação, com 1058 pontos. A Suíça é a 14a colocada, com 992. Aí chegam as partidas de eliminatórias. A Holanda enfia 8 a 1 na Hungria e ganha da Turquia, fora de casa. A Suíça ganha de 2 a 1 da Albânia, fora, e 1 a 0 da Eslovênia, em casa.
Vai, pensa rápido. Quais são mais fortes? Hungria e Turquia ou Albânia e Eslovênia? É, pois é. Na pior das hipóteses, você respondeu "é tudo a mesma coisa". Eu sei lá como. Mas, após os jogos de sexta e terça, a Holanda ganhou alguns pontos e a Suíça ganhou muitos pontos. Os suíços subiram sete posições e aparecerão na sétima colocação no próprio ranking. Já a Holanda pulou de nona para oitava.
Aí você pega as eliminatórias europeias e vê que a Holanda teve a melhor campanha. A única, ao lado da Alemanha, com nove vitórias e um empate em dez jogos. 34 gols marcados, média de 3,4 por jogo, saldo positivo de 29 gols. A Suíça foi bem, é verdade, ganhou sete e empatou três. Foi bem, se classificou e tudo mais, mas teve campanha pior do que seis seleções, incluindo, logicamente, a Holanda.
Na última Copa, a Holanda foi finalista, a Suíça, eliminada na primeira fase. Na Euro-2012, é verdade, a Holanda perdeu seus três jogos. Mas a Suíça nem mesmo se classificou para a Euro! Possivelmente, a má campanha holandesa na Euro esteja sendo carregada para essa atual oitava colocação no ranking da Fifa. Mas repito: uma perdeu porque estava lá, a outra nem isso.
Dá para entender esse ranking? Dá para entender a Suíça cabeça de chave da Copa do Mundo e a Holanda, não?
Quer mais? Então toma.
No próximo ranking, a Ucrânia, hoje 26a, vai aparecer na 21a colocação. A França, hoje uma posição à frente da Ucrânia, ficará uma atrás, saltando de 25a para 22a. Sabe por quantos pontos? UM PONTO. A Ucrânia vai a 871 pontos contra 870 da França. E por que? Porque a Ucrânia, em um grupo de seis seleções, jogou duas partidas a mais do que a França nas eliminatórias europeias. No caso da Ucrânia, os dois jogos a mais foram contra San Marino. San Marino!!
A França reclama com muita razão. Com dois jogos a menos do que as outras (por estar no único grupo de cinco países), ela acabou não somando pontos no ranking Fifa e vai para o pote 2 da repescagem europeia. Pode cair no sorteio, por exemplo, contra Portugal. Enquanto a Ucrânia é cabeça de chave e pode jogar com a própria França, é verdade, mas pode também cair contra Islândia, Romênia ou Suécia.
Eu não vejo problema na escolha do ranking, de um critério objetivo, para definições de cabeças de chave na Copa, repescagem, etc. O problema é se esse ranking é mal feito, tem falhas tão graves que causem absurdos como os que estamos vendo.
Não sou favorável a um critério que coloque sempre os oito campeões do mundo como cabeças de chave da Copa. História é legal, mas não pode definir os rumos do futuro desta maneira sempre. De repente ter sido campeão do mundo poderia te dar X pontos extras no ranking para efeitos de definições como estas. Assim, a Itália, nona no próximo ranking, ganharia algum bônus e ficaria à frente da Suíça. Mas a França, lá atrás no ranking, não seria alçada a cabeça de chave só pelo título que ganhou em 1998, o bônus ajudaria em decisões apertadas, mas não seria suficiente quando uma seleção, mesmo que histórica, estivesse mal das pernas.
Fica minha sugestão para os velhinhos malandros da Fifa.
Para mim, em Mundiais deve ser levado o ranking da Fifa, sim, mas o ideal é que ele seja colocado em uma matriz que leve em conta história nas Copas e também aspectos geográficos. Exemplo. Já que são 13 seleções europeias, poderiam ficar 5 como cabeças de chave (as cinco melhores) e oito juntas em um segundo pote.
Velhos e bons tempos quando o ranking da Fifa servia apenas para aquela notinha de pé de página no jornal…
Sobre o Autor
Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.
Sobre o Blog
Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.