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Anos de planejamento e método trazem a Bélgica à Copa-2014. E com chances!

Julio Gomes

11/10/2013 14h56

Há quem pense futebol de maneira exclusivamente empírica. "Isso aqui deu certo no passado, então dará no futuro". "Futebol não é uma ciência exata". "Não adianta o cara estudar o jogo, se não souber chutar a bola". E por aí vai.

Sinto muito pelos que pensam assim. São os que também acham que é "sorte" a Bélgica e a Alemanha terem a atual geração de jogadores de futebol. "Que grande geração belga…", dizem os especialistas. A frase indica uma sequência oculta, que ninguém fala, mas muitos pensam: "nunca mais vai acontecer".

Tenho uma notícia para vocês. Não é sorte. É planejamento. E sim, vai acontecer. Vai seguir acontecendo.

A Bélgica transformou-se hoje na décima-primeira seleção classificada para a Copa do Mundo de 2014. Como a Fifa anunciou que o seu ranking irá determinar a lista de cabeças de chave, já é possível saber que a Bélgica irá encabeçar um dos grupos do Mundial do Brasil. E atenção: esqueçam a tradição. A Bélgica é uma seleção, hoje, bastante melhor que França, Inglaterra, Portugal e Uruguai. Tem mesmo que ser cabeça de chave. É justo.

A classificação antecipada veio com uma vitória por 2 a 1 sobre a Croácia, que é forte, em Zagreb. O que seria um jogo "decisivo" virou um passeio belga, com dois gols de Lukaku. No grupo A das eliminatórias europeias, a Bélgica tem 25 pontos em 27 possíveis, com oito vitórias, um empate e nenhuma derrota. Só Alemanha e Holanda têm campanhas parecidas.

Depois das ausências nas últimas duas Copas e nas últimas três Eurocopas, a Bélgica está de volta. E vem forte. O que aconteceu, então, já que não é sorte?

O "turning point" foi a Eurocopa do ano 2000, quando a Bélgica foi anfitriã junto com a Holanda e não passou da primeira fase. Um papelão. Viria a Copa de 2002 e uma eliminação polêmica para o Brasil, nas oitavas de final. Mas, à essa altura, um senhor chamado Michael Sablon resolveu mudar o destino do futebol belga. Membro de comissões técnicas que haviam ido a Mundiais, no passado, ele era diretor técnico da Federação naquela época.

"Nossos times estavam desabando, nossas seleções eram cada vez piores", contou Sablon em uma entrevista ao inglês "Daily Mail". Vou deixar a explicação na boca dele.

"Nós juntamos um grupo de pessoas na mesa e fizemos um guia. Era um livro, de fato, com planejamento e diretrizes para três grupos: clubes, seleções nacionais e os treinadores nas escolas. Adotamos a mesma visão para os três grupos e fomos de porta em porta, a todos os clubes, pedir para que seus times sub-18 jogassem da mesma maneira. Percebemos que, nos clubes, o que importava era ganhar jogos nas categorias de base e isso não ajuda nada, nada, nada a formação de jogadores. Pedimos para que todos jogassem no 4-3-3, com pontas, três meio-campistas e linha de quatro atrás. Demorou cinco, seis anos para fazer com que os clubes aceitassem a ideia. No começo foi terrível, não foi nada fácil. Mas aí eles começaram a ver que aquilo funcionava, que os jogadores estavam ficando melhores."


O intercâmbio foi fundamental, a Bélgica foi buscar informações e conhecimento nas "fábricas" da Holanda e da França. O sistema tático único veio acompanhado, logicamente, de muitos métodos de trabalho. Tudo isso auditado por uma empresa belga chamada Double Pass, responsável por observar se os clubes estavam seguindo as diretrizes de forma correta.

Em 2006, a Double Pass chegou à Bundesliga. Desde então, todos os clubes alemães seguem as mesmas diretrizes de treinamento, o mesmo conceito de trabalho, com uma filosofia de jogo definida e posta em prática em todas as idades na categoria de base. A geração atual de jovens jogadores alemães também é consequência desse trabalho com método e filosofia nas bases. Não é coincidência, é planejamento.

A Premier League passou a adotar o mesmo sistema desde o ano passado. Dá para esperar uma Inglaterra no caminho certo a partir de agora, forte daqui seis, sete, oito anos.

A Bélgica colhe agora os frutos de um trabalho árduo que começou 12, 13 atrás. E que só virou realidade quando os clubes sucumbiram, na segunda metade da década passada. Além disso, o país, dividido entre uma metade "holandesa" e uma "francesa", chegou à beira da separação em 2007. O futebol é um dos fatores de re-união entre as duas metades.

Como Bruxelas é uma das capitais europeias e a Bélgica virou um dos principais destinos de imigrantes de outros continentes, a globalização ajudou o futebol local. Se há gente descendente de marroquinhos (Fellaini) e do Congo (Kompany) representando o país, a divisão cultural foi parecendo algo cada vez mais banal ao longo dos anos. É o esporte minimizando os efeitos de profundas diferenças sociais e culturais. A Bélgica-2014, como a França-1998, é multicultural e convive bem com isso.

Quem acompanha o futebol inglês, o mais rico do planeta, sabe do que estou falando. Talvez se surpreenda ao ver que alguns dos caras abaixo são belgas. Levando em consideração os preços das transações, a seleção belga só é menos valiosa do que as do Brasil e de Portugal (por causa de Cristiano Ronaldo).

Em 2007, a geração belga foi semifinalista do europeu sub-17 pela primeira vez na história. Em 2008, chegou à semifinal olímpica. Perdeu da Argentina e, depois, caiu para o Brasil na disputa do bronze. No ano que vem, essa turma vai disputar sua primeira Copa do Mundo.

Pode ser campeã? É difícil, por muitas razões, entre elas experiência e condições climáticas. Mas, para 2018, desde já pode ser colocada em um grupo restrito de seleções com chances reais de levantar a taça.

Enquanto nós continuamos aqui sentados na história e na fama, outros países do mundo trabalham o futebol da maneira como ele deve ser trabalhado, com método e formação, com estudo. Como uma ciência, digamos, quase exata. A Bélgica é um exemplo vivo disso.

Alguns jogadores que podem estar na convocação belga para a Copa:

Goleiros: Koen Casteels (Hoffenheim), Thibaut Courtois (Atlético de Madri), Simon Mignolet (Liverpool).

Defensores: Vincent Kompany (Manchester City), Thomas Vermaelen (Arsenal), Toby Alderweireld (Atlético de Madri), Laurent Ciman (Standard Liege), Guillaume Gillet (Anderlecht), Nicolas Lombaerts (Zenit St. Petersburg), Sebastien Pocognoli (Hanover), Daniel van Buyten (Bayern de Munique), Jelle van Damme (Standard Liege), Jan Vertonghen (Tottenham).

Meio-campistas: Nacer Chadli (Tottenham), Steven Defour (Porto), Moussa Dembele (Tottenham), Marouane Fellaini (Manchester United), Timmy Simons (Club Bruges), Axel Witsel (Zenit St. Petersburg).

Atacantes: Zakaria Bakkali (PSV Eindhoven), Christian Benteke (Aston Villa), Kevin de Bruyne, Eden Hazard, Romelu Lukaku (todos do Chelsea), Dries Mertens (Napoli), Kevin Mirallas (Everton).

Está bom ou querem mais?

Sejam bem-vindos, conterrâneos de Tintin!

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Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.


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