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Fica, Bernard! A Ucrânia é uma gelada...

Julio Gomes

01/08/2013 22h39

Quem me acompanha há meses, talvez até anos (deve ter algum louco), não deve estar entendendo nada. Como assim o Julio Gomes, "baba ovo dos europeus", crítico ferrenho do futebol jogado no Brasil, está dizendo para Bernard ficar?? Tem coisa errada aqui.

Posso explicar, posso explicar. Vou tentar, pelo menos.

Sim, sou crítico ferrenho do futebol brasileiro e da maneira como se vê e analisa futebol no Brasil. Somos resultadistas, reféns do fim, sem preocupação com o meio. Encaro o jogo como um jogo de estudos, conhecimento teórico, não somente os métodos empíricos que dominam por aqui. Acredito que o futebol deva ser jogado em cima de filosofias técnicas, táticas e morais, não em busca do resultado pelo resultado. Interpreto o esporte com o mesmo peso de importância para as facetas ofensiva e defensiva, baseado em conceitos coletivos, não individualistas. Acredito que o esporte, e o clube, tenham responsabilidades sociais relevantes. E lamento muito termos categorias de base que estão largadas e, em regra, dominadas por preceitos equivocados. Os jogadores e técnicos brasileiros são mal formados, simples assim.

Dito tudo isso, de forma bastante resumida, acredito que os jogadores importantes do Brasil precisam sair daqui para conhecer e evoluir no mais alto nível de competição, e este nível não está aqui. Está nas ligas europeias. Não estou aqui vomitando uma opinião. Isso é consenso entre os próprios jogadores, os profissionais brasileiros envolvidos com o futebol – ainda que muitos deles mantenham um discurso oposto para não "se queimarem" por essas bandas.

E aí chegamos ao caso Bernard.

Eu não tenho dúvidas sobre a necessidade de Bernard ir para a Europa para dar um passo além em seu jogo, em sua carreira. Os problemas são o momento e o destino.

Bernard é, hoje, um nome certo na Copa do Mundo do ano que vem. E um jogador importante na cabeça de Luiz Felipe Scolari, aquele garoto para revolucionar partidas complicadas, para colocar velocidade, para dar a opção de explorar contra ataques. E um nome muito pouco conhecido, praticamente um anônimo para jogadores e técnicos de outras seleções. Ou seja, pode realmente ser um fator surpresa no Mundial.

Por mais globalizado que esteja o futebol, pouca gente na Europa perde tempo vendo partidas do Brasileirão ou Libertadores. Não concordo com ela, mas é uma realidade. Um treinador de uma seleção importante saberá exatamente quem é Bernard, eventualmente poderá mostrar vídeo em alguma preleção. Mas o efeito é muito diferente. Se Bernard jogar na Europa, ele será visto pelos próprios colegas de profissão, seu jeito de jogar será conhecido, trejeitos, seu ponto forte, o fraco, etc. Ele estará exposto.

Pensando em seleção brasileira, o fator surpresa representa algo mais positivo do que a evolução tática que ele terá jogando na Europa por uma temporada apenas.

Há, também, o fator risco. Onde ele vai parar? Em que time? Com que técnico? Quantos minutos terá? Vai conquistar rapidamente espaço ou vai esquentar banco por muitos minutos? Será uma temporada de transição e falta de ritmo?

Vejamos os cenários. Se ficar no Brasil, Bernard jogará em sua cidade, com sua torcida, em um time que (infelizmente) não terá pressão no Campeonato Brasileiro. Tranquilidade para trabalhar, tentar, arriscar, fazer gols. A imagem, perante o mercado, só tende a melhorar, pois o bom rendimento é quase uma garantia.

Um cenário que não seria ruim seria o Porto. É um clube gigante de Portugal, um grande da Europa, que não fará feio e irá a fases agudas da Champions League. Um país em que o idioma é o mesmo, o clima não é um fator de relevância, muito menos a culinária. Um clube super acostumado a brasileiros, vencedor, que jogará a maioria das partidas com a boa responsabilidade da vitória. O Porto é comprador e também vendedor, vive disso, não seria a coisa mais complicada do mundo dar um salto maior na Europa daqui a um, dois, três anos. Tantos outros o fizeram.

Pensando em Copa do Mundo, o melhor seria Bernard ficar. Pensando na carreira, ir para o Porto está longe de ser má ideia.

O problema é que a opção mais forte, que está se desenhando, é o embarque para o Shakhtar Donetsk. E aí, amigos, seria ruim para a seleção e para a carreira. Bom mesmo, só para o Atlético e o monte de intermediários que colocarão dinheiro no bolso.

Jogar na Ucrânia tem algumas vantagens. Menor pressão é uma delas, dirão alguns. Você é comandado por um homem do futebol e está rodeado de brasileiros no time, isso minimiza um pouco o abismo cultural que é viver na Ucrânia. A exposição não é pequena, se o clube repetir passos importantes em competições europeias.

Mas os pontos negativos, para mim, existem em maior número. A evolução futebolística é mais lenta, porque ela ocorre muito mais em raros jogos europeus do que na liga doméstica. Como já citado, o fator surpresa na Copa acaba. As chances de lesões aumentam pelo fator climático, a dureza da competição e o fortalecimento obrigatório para aguentar tudo isso, o que pode mudar o formato corporal de maneira sensível e comprometedora.

E o principal. O Shakhtar é comprador, como o Porto. Mas não é vendedor. O clube pertence a um multibilionário que não está nessa de futebol para ganhar dinheiro e, sim, para se divertir. As leis de mercado não se aplicam tanto assim, não é uma instituição conhecida por atender corações e facilitar a saída de jogadores. Que o digam Elano, Fernandinho, Willian… Bernard não pode considerar o Shakhtar um trampolim. Pode até ser, mas dar o salto ali para um grande europeu não é tarefa fácil. Muito pelo contrário.

Para o Atlético, talvez o dinheiro seja necessário neste momento. Mas é difícil imaginar qualquer tipo de desvalorização no período de um ano, o mais provável é que ocorra o contrário. Que o Galo venda Bernard mais tarde por mais dinheiro.

A impressão que eu tenho é que Bernard quer ficar. Sair ano que vem ou, pelo menos, não sair para a Ucrânia. Seria importantíssimo, para ele e para o futebol do país, ficar neste momento. E fazer as malas só depois do Mundial.

 

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Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.


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