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Em time que está ganhando se mexe, sim. Bayern já tem dedo de Guardiola

Julio Gomes

14/07/2013 14h18

"Em time que está ganhando, não se mexe". Essa é daquelas frases fáceis que ouvimos a vida inteira, uma das verdades absolutas da humanidade inventadas por alguém e compradas pela maioria. Em time que está ganhando, se mexe, sim. Senão, não continua ganhando.

Isso serve para empresas que são líderes de mercado, mas precisam o tempo todo reinventar conceitos, buscar a evolução. Isso serve para partidos políticos que estejam no poder, que precisam renovar as lideranças, atualizar as ideias. Isso serve para relacionamentos amorosos, que hoje estão em sua plenitude, mas amanhã cairão na rotina. E isso serve para times de futebol.

A história do "em time que está ganhando, não se mexe" é uma grandíssima cascata. Isso na minha opinião, e respeito todas as outras, como sempre. E também, pelo visto, na opinião do Bayern de Munique. E na opinião de Pep Guardiola.

Na Alemanha, os clubes trabalham o futebol de cima para baixo desde o ano 2001 – é regra, são exigências dos próprios clubes, que formam a Bundesliga. Existe por escrito uma filosofia de jogo, uma forma de encarar futebol e, a partir daí, trabalha-se de forma idêntica desde a primeira leva de garotos, o sub-9, até o time principal. A primeira geração formada dessa maneira na Alemanha é a atual, que compõe a que, para mim, é a melhor seleção do mundo – ganhar a Copa no ano que vem são outros 500 e depende de muitas variáveis.

No momento em que o Bayern de Munique decide contratar Pep Guardiola, ele está fazendo mais do que se preocupar em ganhar o próximo campeonato – a "regra" que rege as contratações de técnicos aqui no Brasil. No momento em que toma essa decisão, o Bayern decide que fará alterações na sua lista de mandamentos de formação de time, do principal às categorias de base. O dedo de Guardiola vai afundar de cima abaixo, e o clube sabe disso, o clube quer isso.

Olhando o que faziam França e a Holanda, 15 anos atrás, a Alemanha passou a desenvolver a formação de jogadores e começar uma transição de futebol físico para técnico. Ela se consolidou quando a Espanha mostrou o caminho, a partir do meio da década passada. Aí, veio o Barcelona de Guardiola, levando ao extremo a filosofia de posse de bola, técnica e marcação intensa por parte de todos os 11 jogadores. O que a seleção alemã e os clubes alemães fazem é uma evolução do que a Espanha fez no passado recente. Mantém muitos dos conceitos, especialmente de pressão e de futebol baseado na técnica e na troca de passes, mas coloca no molho a verticalidade e o jogo com velocidade e intensidade maiores.

Com a chegada de Guardiola, o Bayern decide não se sentar na máxima do "em time que está ganhando não se mexe". Decide apostar na genialidade do técnico para avançar a outro patamar, para já se adiantar à evolução que o futebol atingirá nos próximos anos, já que o dinamismo é intrínseco a este mundo globalizado.

Nove de dez técnicos do mundo chegariam ao Bayern de Munique, após uma temporada de inédita tríplice coroa, sem mexer em nada. Porque "quem tem, tem medo", já diz a regra do truco. O "em time que está ganhando, não se mexe" pode ser facilmente traduzido para "por que eu vou mexer aqui, arriscar minha reputação e meu emprego?". O "em time que está ganhando, não se mexe" é o lema de quem chega a um desafio novo já dentro da zona de conforto.

Guardiola, não. Ele sabe que não foi contratado para deixar tudo igual. E, o principal e mais valioso, ele simplesmente enxerga o futebol de outra maneira e não irá abrir mão de alguns conceitos. Vai tentar fazer aquilo que é o mais satisfatório para qualquer um, em qualquer área de atividade: vencer trabalhando do jeito que acredita ser o melhor, conquistar com suas crenças. Não simplesmente ganhar por ganhar.

O Bayern de Munique, ao contrário de Real Madrid, Barcelona, Manchester United, Chelsea e outros do mesmo calibre, não faz pré-temporada caça-níquel na Ásia e nos Estados Unidos. Uma semana após a reapresentação e testes físicos, o elenco passou nove dias treinando em Trentino, nas montanhas italianas, e ali Guardiola já começou a implementar alguns conceitos. Vale a pena ler o relato de Gaby Ruiz, ótimo jornalista espanhol e ex-colega, que pegou um avião e foi lá ver tudo isso pessoalmente.

Após alguns jogos-treino, neste domingo veio o primeiro amistoso oficial, conta o Hansa Rostock, time da terceira divisão alemã. O Bayern ganhou por 4 a 0, mas logicamente isso é o que menos importa. O interessante foi ver o dedo de Guardiola na atuação do time.

Neuer, o goleiro, já aprende a fazer algo que poucos valorizavam em Valdés no Barcelona. Jogou adiantado, na linha da grande área, se transformando numa espécie de líbero. O trabalho com os pés é importante para os goleiros de Guardiola, é por ali que o jogo começa. Os zagueiros dentro do círculo central, diminuindo o espaço e compactando as linhas. Por isso, e não por improvisações, Guardiola utilizava volantes como zagueiros no Barcelona, e a tendência é que Javi Martínez (ainda de férias) atue da mesma forma no Bayern.

Os "volantes" contra o Hansa foram Lahm e Kroos, dois jogadores que, de volantes, não têm nada. O brasileiro Rafinha foi o titular no primeiro tempo, mas a tendência é que Lahm tenha jogado no meio somente pela ausência de Schweinsteiger, voltando à lateral direita quando o time estiver completo. Mas pronto, Guardiola já arrumou uma opção por ali: Lahm no meio. E ele jogou muito bem, apareceu nas duas áreas e fez, de cabeça, o primeiro gol do amistoso.

Com Muller pela direita e Shaqiri pela esquerda, quem ganhou liberdade total foi Ribery. O francês tem pinta de que vai virar o Iniesta de Guardiola no Bayern, jogando com liberdade de movimentos, ora pela esquerda, ora pelo meio se associando com Kroos, que vem de trás, e o atacante que estiver à frente. Foi assim que saiu o segundo gol, com uma ótima parede feita por Pizarro para o chute de fora da área de Ribery.

No primeiro tempo, em que os jogadores mostraram mais intensidade, já se viu um Bayern usando muito pouco o passe longo e os cruzamentos para a área. Foi um time de passes curtos, de associações, de posse de bola quase total: puro Guardiola. No segundo tempo, entrou Mandzukic no lugar de Pizarro, e o croata fez o dele, o quarto gol. E entrou Robben no lugar de Rafinha, o que significou Lahm de volta à lateral e Kroos como volante único. Robben pela direita, Shaqiri na esquerda, Muller e Ribery mais centralizados e em constante troca de posição – Muller apareceu no meio da área, fazendo o pivô, para girar e meter um golaço, o terceiro do Bayern.

Com essa formação ultra-ofensiva, o Bayern cedeu mais espaços ao Hansa e poderia até ter tomado um gol. Mas a intensidade caiu, é apenas um jogo de pré-temporada, afinal.

Falta muita gente. Schweinsteiger, Dante, Javi Martínez, Luiz Gustavo e, claro, Gotze. Talvez ainda chegue Thiago! Ou seja, muita água vai rolar por baixo dessa ponte. Mas vai ser bacana demais ver como Guardiola será capaz de incutir seus conceitos e fazê-los representarem evolução, e não o contrário, sem que o time perca verticalidade e as rápidas transições que marcaram o Bayern multicampeão da última temporada.

Nota: Alguns minutos após a publicação desse post, foi confirmada a transferência de Thiago para o Bayern. Um garoto de 22 anos, com muito futebol e que foi desprezado pela CBF, por isso defende a seleção espanhola. Uma enorme contratação do Bayern, uma gigantesca e amadora bobeada do Barcelona, que preparava Thiago para ser o sucessor de Xavi. Daqueles movimentos de real relevância no futebol europeu para esta e as próximas temporadas.

Anotem aí a agenda do Bayern:

20/7 – Bayern x Hamburgo, Copa Telekom, em Moenchengladbach
21/7 – Final ou disputa do terceiro lugar da Copa Telekom
24/7 – Copa Uli Hoeness, Bayern x Barcelona (só isso!)
27/7 – Supercopa da Alemanha, o primeiro jogo oficial: Bayern x Borussia Dortmund
31/7 – Copa Audi, Bayern x São Paulo
1/8 – Final ou disputa do terceiro lugar na Copa Audi
2 a 5 de agosto – Primeira fase da Copa da Amemanha
9 a 11 de agosto – Primeira rodada do Campeonato Alemão
30/8 – Supercopa da Europa, Bayern x Chelsea (Guardiola x Mourinho)

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Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.


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