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"Un desastre". Visões espanholas sobre o país da Copa das Manifestações

Julio Gomes

21/06/2013 17h50

"Eso es un desastre".

A frase é de um titular da seleção espanhola com quem conversei longos minutos nesta sexta, em Fortaleza. Como consegui conversar por muitos minutos com o cara? Bom, é que o elevador não chegava!

A cena foi surreal. Havia muita gente no lobby do hotel esperando pela Espanha, eu calculo umas 50 pessoas. Havia mais umas 50 do lado de fora. Conforme os jogadores foram entrando, ninguém pedia foto nem autógrafo. Parecia que as pessoas ficavam congeladas. Alguns poucos se arriscaram e conseguiram o que queriam.

Entraram Vicente del Bosque e Iniesta no primeiro dos dois elevadores. Depois, algumas pessoas que fazem parte da delegação espanhola. Vão-se embora os dois elevadores. E aí chegam os outros jogadores. Todos. Eles ficaram mais de 5 minutos esperando pelo elevador, enquanto alguns seguranças tentavam fazer um cerco e as pessoas tentavam se aproximar. Surreal. A foto, aqui abaixo, meu flagrante do momento.

 

O "desastre" citado se referia a problemas de organização naquele momento. Não teve tom de desprezo, mas é logicamente algo mais amplo. Foi um comentário sobre o óbvio desastre que tem sido a logística toda. O Brasil também quis abrir treino e não conseguiu, Júlio César já pediu até a retirada do vidro filmado do ônibus da seleção. Já presenciei, aqui em Fortaleza, um policial fechando o trânsito por 30 minutos para passar a seleção, gerando caos total e revolta entre as pessoas que ficaram desnecessariamente paradas. No Recife, o Uruguai não conseguiu treinar. São várias e várias e várias coisinhas. Parece que a Fifa e COL sumiram e que está tudo à deriva. É a minha sensação.

O fato é que o Brasil não está pronto para eventos como este. Não está preparado porque falta experiência e porque não se preparou mesmo. Quem estava fazendo "segurança" dentro do hotel da Espanha tem claramente poucos conhecimentos de segurança. O próprio hotel, que tem quatro elevadores, poderia ter levado os jogadores para os dois elevadores alternativos, afastados do público. Os voluntários com quem encontrei pelos estádios, em sua maioria, não estavam bem preparados. Todos com um sorriso, melhores das intenções, mas falta conhecimento. Duvido que tenham feito cursos, treinamentos, etc. Simplesmente largaram essa turma.

Raúl, um grandalhão que é o chefe da segurança espanhola, conversou comigo. "Está fogo. Está pior que na África do Sul, por exemplo. É difícil trabalhar, porque as pessoas envolvidas não têm a experiência de outros eventos. Tudo é novidade, muito mais se resolvendo no improviso."

Eu avisei Raúl que haveria protestos em Fortaleza perto do hotel da Espanha nesta sexta. "Pois é, o rapaz da polícia comentou comigo. Eles vão pensar em novos caminhos para desviarmos disso. Acho que não haverá problemas, você acha?". Minha resposta para Raúl: "Sei lá". Eu também não estou preparado para isso, pensei.

Meu amigo Paco Quiroga, da rádio Cadena Ser, deu algumas visões interessantes de como um estrangeiro encara tudo o que está acontecendo no país.

"Para nós, espanhóis, a maior dificuldade tem sido a comunicação via 3G. Em algumas cidades, o 3G não funciona direito. No Recife, o 4G foi bem. Em outros lugares, não. Esse tem sido o maior problema. O idioma não é complicado para nós, porque falamos espanhol, que é parecido com o português. Mas alguém que só fale inglês terá dificuldades, isso está claro. O transporte não tem sido um problema porque vamos sempre juntos em shuttles para a imprensa espanhola."

Também quis saber o que ele achava dos protestos. "Nossa polícia, na Espanha, tem um serviço de inteligência muito bom. Está acostumada com o terrorismo e com manifestações, então eles sempre têm uma boa capacidade de se antecipar. Vai ter manifestação? Eles já sabem quem são os 15, 20, que vão fazer bagunça. Já pegam esses caras antes ou ficam colados neles. A manifestação acaba e se dispersa. No Brasil, a polícia parece não saber o que fazer. E aí reage com violência, a coisa toda vira uma bagunça. Vocês não estão acostumados com eventos desse porte e com manifestações grandes, então acho que esse despreparo é que está causando bastante confusão. Os próprios políticos não estão acostumados a isso, então não sabem bem como reagir."

Eu já vi em Madrid, amigos, manifestações de 2 milhões de pessoas (numa cidade de 3). E que acabaram sem violência. Aqui no Brasil, são 5 mil aqui, 15 mil ali. E está dando nisso tudo. O barulho é bastante maior do que o engajamento nessas bandas.

Os estrangeiros adoram o Brasil. Adoram a comida, a bebida, as mulheres, somos um país legal de ser visitado. Mas, para quem trabalha, há coisas que se transformam em stress. Os espanhóis, jogador, chefe de segurança, jornalista, constatam uma realidade na Copa das Confederações: o Brasil não está pronto. Nem para o evento e nem para o que está acontecendo nas ruas. Vai ter que aprender na marra.

 

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Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.


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