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Julio Gomes

Depois do resgate de Guardiola, o que será do futebol nos "anos 20"?

Julio Gomes

02/01/2020 17h35

Quem foi o técnico dos "anos 10"? Sem dúvida alguma, Pep Guardiola.

Porque não há como medir em títulos o bem que ele fez para o futebol mundial. Foi, sim, um resgate. Não é que o futebol só tenha vidido de trevas entre a década brasileira (60) e a década de Michels/Cruyff (70). Mas é fato que muita coisa feia ganhou protagonismo. Jogo físico, tático ao extremo, defensivismo, resultadismo.

No Brasil, pagamos um preço mais alto do que os outros – relação direta com a derrota de 82, o tetra de 94 e as características da nossa sociedade ("o segundo é o primeiro dos últimos"). Foi o país que mais golpeou as próprias origens.

A Itália, orgulhosa de seu jeito de ver futebol, hoje é refém de si mesma. Não consegue andar para frente, ainda que agora algumas coisinhas estejam acontecendo – essas coisinhas atendem pelo nome de Sarri, essencialmente.

A busca pela excelência na base, iniciada na Bélgica e copiada na Alemanha, casou com a explosão catalã, catalisada por dois gênios: Guardiola e Messi. Porque não basta idealizar, é necessário executar.

A Alemanha, é bom lembrar, parte em busca de algo melhor a partir da catastrófica Copa de 2002. Opa. Catastrófica? Mas eles não foram vice-campeões? Foram. Mas acharam aquilo lá uma porcaria. O embrião do 7 a 1 e de 2014 foi esse, achar aquilo uma porcaria e buscar soluções. Foram encontrar na Bélgica, já contei sobre isso aqui no blog. Serviu para os dois países, e agora a Inglaterra é quem está no processo de copiá-los.

Os "anos zero", vamos chamar assim, foram de técnicos como Carlo Ancelotti, com o Milan, de Vicente del Bosque, com Real Madrid no começo, Espanha no fim da década, de Luiz Felipe Scolari, de Marcello Lippi, de Alex Ferguson e de, para mim o mais impactante deles, José Mourinho. Caras pouco preoupados (ou nada preocupados) com a estética, com algum tipo de legado.

Arsène Wenger foi capaz, com o Arsenal da primeira metade da década, de mostrar que jogar futebol poderia valer à pena. Virou uma espécie de símbolo do bom jogo, vira e mexe era especulado para ser técnico do Real ou do Barça. Mas foi só com a seleção espanhola de Aragonés, o Barça de Rijkaard e, essencialmente, com Guardiola, a partir de 2008/2009, que o futebol mudou de verdade.

Guardiola resgatou a ideia de talento por cima do físico. Xavi e Iniesta são os símbolos disso. Baixinhos, mas bons de bola? Têm que jogar. Sem essa de alto e forte.

Entre outras coisas, como o amor pela bola, a busca da excelência, o comprometimento tático de todos (incluindo seu maior craque), enfim. Junto a tudo isso, vieram os resultados.

Ao longo da década, os times de Guardiola sempre foram os times a serem batidos. O Barcelona, depois o Bayern de Munique, depois o Manchester City. Os que melhor jogavam bola, os que mais atraiam os olhares dos fãs do jogo.

No Barcelona, ganhou três das quatro ligas domésticas que disputou. No Bayern, ganhou três de três, com recorde atrás de recorde. No Manchester City, duas de três. Na Champions, é verdade, os resultados não são iguais. Ganhou duas com o Barça lá atrás e lá se vão sete sem chegar nem à final. Mas mata-mata é mata-mata.

Os resultados são apenas uma maneira de olhar para o tamanho da importância de Guardiola.

Se no começo da década sua nêmesis era José Mourinho, ao longo dos anos já passamos a ver outras coisas. Vimos tanta gente JOGAR BOLA que nem é mais fácil apontar o dedo, como se faz para o Arsenal de Wenger da década anterior.

Vimos a Alemanha jogar bola, vimos a Bélgica, vimos o Real Madrid, no Brasil isso chegou agora, com o Flamengo, vimos até o Bétis, o Rayo Vallecano, o Norwich, o Napoli. E agora o domínio está nas mãos do Liverpool e de Jurgen Klopp, que virou o sucessor de Guardiola como melhor técnico do mundo.

Klopp sabe como bater Guardiola desde os tempos de Borussia Dortmund – e não precisa estacionar um ônibus embaixo do gol para isso. O futebol resgatado por Pep evoluiu para um negócio bacana, intenso, que traz de volta o interesse das pessoas para além do ganhar ou perder.

Por quais caminhos seguirá o futebol nos anos 20, que estão começando? O renascimento do jogo, a meu ver, é um caminho sem volta. Mas todos sabemos como o futebol é dinâmico e como os resultados mandam.

Se o Atlético de Madrid, de Simeone, tivesse conquistado umas três Champions League seguidas – e isso poderia muito bem ter acontecido -, será que a conversa não seria outra neste momento? Pode ser.

O fato é que os anos e a influência de Guardiola foram muito importantes para o esporte, quer queiram seus detratores ou não. Ele pode não ter sido o maior campeão, ele pode estar sendo superado por Klopp, mas ele foi, sim, "o cara" dos anos 10.

E seu campo de influência saiu da liga espanhola para a alemã e para a inglesa, o que conta muito, dita tendências. Elevar gente brilhante como Klopp a outro nível é um exemplo disso.

Sou um otimista, porque muitos jogadores que passaram pelas mãos desses caras acabarão virando treinadores – um exemplo concreto é Xavi.

Porém, pode haver ainda um buraco geracional e a tendência ser ditada por um pessoal que esteve em campo ouvindo outra coisa dos "professores" de 15, 20 anos atrás. Veremos. Dependerá muito de carisma, de nacionalidade, de oportunidades e, claro, de resultados.

Um viva para Guardiola! E na torcida por 10 anos ainda melhores.

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.