O legado de Jesus e Sampaoli não é tático. É o desapego
Muito se debate e muito vai se debater sobre o Brasileirão 2019, em que dois técnicos estrangeiros fizeram e aconteceram.
Jorge Jesus assumiu o Flamengo na pausa da Copa América, pegou um time bom no papel, ruim na prática, e transformou no melhor time de futebol que vimos jogando aqui neste século. Ninguém foi tão dominante quanto o Flamengo nos últimos 20 anos.
E Jorge Sampaoli pegou um Santos bastante mediano no começo do ano e logo de cara, ainda no Paulistão, fez o time jogar bola. Deveria ter sido campeão paulista, acabará o Brasil no top 3 e classificado para a Libertadores. Jogando bola.
Nas mãos de outro técnico, o Flamengo seria campeão? Talvez. Bem possível. Deste jeito? Improvável.
Nas mãos de outro técnico, o Santos faria o campeonato que faz? Muito improvável. Era capaz de estar ali no bolo do rebaixamento.
Jorge Jesus e Sampaoli trouxeram novidades táticas? Depende de para onde estamos olhando. Novidades, sim, para o futebol jogado aqui, mas nenhuma novidade para quem olha para fora. Aliás, seus times jogam de forma diferente, com conceitos distintos.
Para mim, a grande novidade que os dois trazem é o desapego. Nenhum deles está tomando decisões em função de ser ou não demitido, ser ou não efetivado, ficar ou não ficar ano que vem, agradar ou não agradar dirigente, responder ou não responder aos torcedores e jornalistas.
Esses caras vieram para trabalhar e fazer o que fazem melhor. O melhor deles funcionou para Flamengo e Santos.
Eles são melhores que os técnicos brasileiros? Do que a maioria, sem dúvida. Talvez haja alguns aqui no nível deles. Mas estes alguns estão fazendo o seu melhor? Ou estão apegados ao cargo?
Vamos falar de Mano Menezes, que eu considero um dos bons, apesar de não gostar do estilo. Disputando o título brasileiro, ele acaba de escalar 6 reservas em um jogo de meio de semana para poupar os titulares. Por que? Porque havia jogo contra o Corinthians. Vocês acham que ele teria poupado o time contra o Vasco se a partida de sábado fosse contra o Avaí? Claro que não.
Isso mostra que ele sabe que seu cargo, ou pelo menos sua tranquilidade, depende de jogos como o contra o Corinthians.
Vágner Mancini no São Paulo no começo do ano. Talvez o melhor momento do São Paulo em vários anos. Por que? Um técnico que sabia que era tampão, não tinha nada a perder, fez o que tinha que fazer com o time.
Coelho com o Corinthians? Mesma coisa.
O mesmo Mancini, esses dias, antes do clássico entre Atlético e Cruzeiro, diz que "o que importa é ter erro zero na defesa, depois nós vemos o que podemos fazer no ataque". Pois é.
Podemos enumerar um monte de técnicos que fazem bons trabalhos quando têm pouco a perder. Ou quando pegam times pequenos e gozam de estabilidade – para depois jogarem seus conceitos no lixo e fracassarem na pressão do cargo em um grande clube.
Vejam Tite na seleção. Refém de um jogador que faz o que quer, convocando veteraníssimos que não estarão na Copa de 22 para… amistosos.
O medo de perder é o sentimento que manda no trabalho dos técnicos brasileiros. E isso já é assim faz tempo.
Eles são os grandes culpados? Não. São mais vítimas do que culpados. Vítimas do amadorismo que sempre imperou por aqui, com dirigentes completamente despreparados para tocar o que tocam. Mas não fazem nada para mudar essa dinâmica, até porque muitos treinadores medíocres se beneficiam da dança das cadeiras e da maneira irresponsável como as finanças dos clubes são geridas.
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