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Julio Gomes

Cruzeiro e Rogério Ceni encaixam, o casamento é promissor

Julio Gomes

12/08/2019 11h43

Rogério Ceni não vai consegui escapar das críticas por "largar" o Fortaleza no meio do caminho.

Sinceramente, sou incapaz de criticar treinadores em situações assim. Os técnicos precisam deixar muitos clubes na mão, mas MUITOS mesmo, para chegarem perto do que foram deixados na mão historicamente pelos clubes.

É uma relação antiprofissional desde a origem, desde o início dos tempos. Antiprofissional na escolha, antiprofissional nas demissões, antiprofissional nas regras, nos contratos. Quantos técnicos já se deram mal por ter feito o certo eticamente? Lembram-se de Muricy abrindo mão da seleção?

Não estou aqui advogando por "fazer a coisa errada". Quebras contratuais não são coisas erradas, elas são previstas em contrato. É claro que funcionários, quando abandonam o barco de forma repentina, atrapalham muito empresas, negócios, clubes. E o quanto empresas, negócios e clubes atrapalham a vida de famílias inteiras quando, também de forma repentina, decidem demissões sumárias?

Raramente uma empresa irá quebrar ou fechar as portas porque perdeu uma pessoa chave. Já pessoas, em carne e osso, podem sofrer consequências muito mais graves e imediatas quando abandonadas por empresas.

Há regras e há a ética. As regras estão escritas. A ética é de cada um. Mas eu não perco de vista um fato: o lado mais frágil é sempre o da pessoa física.

No caso do futebol, como um punhado de técnicos e jogadores ganham muito dinheiro, tendemos a vilanizar essas pessoas e "vestir a camisa" dos clubes. Quem está do lado de Neymar? Quem está do lado do PSG? A pessoa jurídica, em regra, é o lado forte da relação e, na maioria dos casos, vilão, e não vítima. Em alguns casos, como o que acabei de citar, é o clássico vilão versus vilão, tipo Alien versus Predador. Escolha um lado, mas superherói não tem ali, não.

Desta vez, neste caso específico e tema do post, o Fortaleza é vítima.

Mas vou dar um dado (pesquisa rápida, fonte Wikipedia): Entre 2008 e 2017, os 10 anos anteriores à chegada de Rogério Ceni, 28 homens sentaram no banco de reservas e foram técnicos do Fortaleza, sem contar os interinos. VINTE E OITO. São quase três por ano em média. Neste século, somente um, Marcelo Chamusca, havia durado um ano inteiro no cargo (2014).

Então acho meio complicado ficar com "dó" da instituição Fortaleza. Não tem histórico para reclamar de Ceni. Foi uma máquina de moer treinadores até, finalmente, voltar à primeira divisão. Será difícil se manter na elite? Será. Com Ceni, já seria. Agora, ainda mais. Mas não estamos nem na metade do campeonato, há tempo de se estudar o mercado, contratar bem e seguir a vida (exemplo: ir de Ceni a Zé Ricardo é minimamente coerente?).

Ceni, por sua vez, perde apenas um direito: o de reclamar de clubes que fazem o mesmo que ele fez. Deveria, isso sim, trabalhar com outros treinadores para mudar esse ciclo perverso que ocorre no futebol brasileiro. Infelizmente, é uma classe incapaz de se unir neste tema, até porque muitos técnicos se aproveitam dessa situação e escondem a incompetência própria sob um calendário nefasto e dirigentes amadores.

Os treinadores são o elo mais fraco, mas isso não faz deles sempre vítimas.

Rogério Ceni já abriu mão de pegar o Atlético Mineiro para fazer uma campanha de Série A com o Fortaleza. Se compararmos aquela situação de alguns meses atrás com a de agora, há algumas diferenças fundamentais.

O Cruzeiro tem, no momento, mais material humano que o Atlético tinha – isso pode se evaporar, mas por enquanto é assim. E o Cruzeiro teve, nesta década, trabalhos longos de Marcelo Oliveira e Mano Menezes, algo raro. O Galo teve 17 técnicos nos últimos 10 anos. Não necessariamente seja verdade, talvez tenha sido apenas coincidência, mas o Cruzeiro passa impressão de dar mais estabilidade ao cargo.

E é desnecessário falar como o Cruzeiro é gigante e multicampeão. Quantos clubes do Brasil dariam a Rogério Ceni a mesma possibilidade de crescer e triunfar?

Um punhado, apenas. E há, entre os paulistas, um inevitável bloqueio, já que a história dele com o São Paulo é muito forte. Acho que esse bloqueio pode cair um dia, mas não é hoje esse dia. Sobra o quê? Flamengo? Grêmio e Inter? Cruzeiro? E é isso.

É um cavalo selado passando na frente de Ceni? Sim, é. Na minha opinião, é.

O quanto Ceni iria aguentar jogando para não cair. Em seu DNA de competidor está o troféu, não apenas evitar desgraças. O Fortaleza viveu uma linda história com ele, mas esse divórcio era inevitável.

O que o Cruzeiro quer com a contratação?

Difícil saber, dado que é um clube que vive tremenda turbulência fora de campo. Talvez seja apenas a aposta em um nome de peso, mas jovem na carreira e muito promissor. Talvez absolutamente ninguém tenha pensado em uma retomada do DNA histórico do clube, seja apenas uma ideia de mercado com o objetivo de sempre: ganhar campeonatos e dinheiro.

Mas o fato é que o DNA histórico do clube precisa entrar nessa conversa. Até porque o Cruzeiro era, talvez, um dos últimos dos moicanos, mas aí ficou praticamente quatro anos com Mano Menezes. E, assim como o Palmeiras, especialmente na primeira era Scolari, lá atrás, trocou estilo por resultado. As "academias de futebol", os palestras, viraram coisa comum.

Talvez, por linhas retas ou tortas, o Cruzeiro se reencontre com o caminho do futebol bacana, ofensivo, gostoso de ver.

Uma triste realidade para o Fortaleza. Mas o casamento entre Cruzeiro e Ceni é promissor e parece mais encaixado.

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.