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Julio Gomes

A Marta o que é de Marta

Julio Gomes

18/06/2019 20h46

Marta é uma gigante. A maior jogadora de futebol de todos os tempos, uma desbravadora, destruidora de paradigmas, esportista que está na história do Brasil.

Não sou a favor de mudar o nome do estádio Rei Pelé para Rainha Marta apenas porque sou conservador com nomes. Detesto essas mudanças, que acontecem toda hora em outros países (naming rights, o escambau). Mas sou a favor de um monte de estádio se chamar Rainha Marta. Por que não o do Corinthians, que não tem nome ainda? Enfim.

Onde quero chegar?

Interpreto com uma forçação de barra comparar Marta com Pelé, Klose ou quem quer que seja. Marta chegou a 17 gols em Copas do Mundo com o marcado contra a Itália. Sensacional! Parabéns! O recorde é monstruoso.

Agora… superou Klose?

A meu ver, é comparar maças com laranjas. São coisas diferentes, quase esportes diferentes. Há muitas modalidades esportivas – individuais ou em que o feminino e o masculino se desenvolveram meio que juntos – em que comparações assim não são feitas.

Por que fazê-las no futebol? Que talvez seja a modalidade mais díspar entre gêneros em todos os aspectos?

É justo comparar os recordes de Florence Griffith-Joynes e Usain Bolt nos 100 metros rasos??

Eu sou um feminista. Já falo isso de cara porque sei de onde virão os ataques por ter tal opinião.

No meu ponto de vista, forçações de barra são ruins para a causa. Não é colocando o feito de Marta como "maior" que o de Klose que o futebol feminino ganhará visibilidade, peso, audiência, etc. Apenas dá mais margem ainda para que seja tratado como "café com leite", passa a impressão de haver a necessidade de fazer todo mundo engolir algo goela abaixo.

Devido a razões históricas, as Copas do Mundo masculina e feminina estão tão distantes quanto o Mundial de futsal e o Mundial de futebol de areia. Em comum, apenas a bola e o gol. O resto é muito diferente.

O que Serena Williams fez não deve ser comparado com o que Pete Sampras fez e nem com o que Margareth Court fez. São contextos diferentes, é tudo muito diferente.

Não podemos considerar "machista" qualquer pessoa que não goste de futebol feminino. O machismo está na não admissão do esporte por ser jogado por mulheres. Tem gente que simplesmente não gosta da dinâmica do jogo. Assim como tem gente, como eu, que acha detestável a dinâmica dos jogos do Brasileiro, quando comparados à Premier League. E isso não é vira-latismo.

Eu, de novo como exemplo, gosto mais de vôlei feminino do que masculino, por questões técnicas. Assim como gosto mais de basquete masculino do que feminino. Assim como gosto mais de ginástica feminina do que masculina. Assim como tanto faz para mim, na natação, se estão nadando homens ou mulheres, gosto de ambos. Assim como detesto boxe e UFC, sejam homens ou mulheres se batendo. São preferências.

Eu entendo perfeitamente como, após séculos e séculos de opressão, a roda precise ser invertida, mesmo que com excessos discursivos. Eu juro que entendo. A sociedade é machista e, sim, o futebol feminino nunca se desenvolveu como o masculino, especialmente no Brasil, porque a cultura opressora do homem e do preconceito fala muito alto.

Futebol não é "coisa de homem". Isso sim é um problema e que só vai mudar geração após geração.

Mas não é colocando o feito de Marta ao lado do feito de Klose que transformaremos tal cultura. É com políticas públicas, é com uma Confederação Brasileira de Futebol que distribua toda a dinheirama que ganha com o masculino para o desenvolvimento do feminino, é com pró-atividade de empresas, da mídia, das escolas, etc, etc, etc.

Marta não é maior que Klose. Ela é maior que todas.

A Marta, o que é de Marta.

 

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.