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Julio Gomes

Neymar e a bola: cada vez mais distantes

Julio Gomes

03/06/2019 06h00

Menos de um ano atrás, Neymar virou piada mundial. Na Copa da Rússia, com seus teatros, exageros e dissimulações, perdeu muito da magia que circundava seu nome.

De lá para cá, as notícias em torno dele dão conta de tudo, menos futebol. Lesões, festanças, ataques públicos a companheiros de vestiário, soco na cara de torcedor, fisco brasileiro, valor em disputa com o Barça, especulações e mais especulações sobre sair de Paris e, agora, a última (e mais grave): acusação de estupro.

Acho o debate sobre o estupro impossível de ser travado. Só os dois sabem o que aconteceu, e, se não houver câmera e/ou corpo de delito, isso ficará entre eles.

Tendo sempre a considerar maior a hipótese de a mulher ser efetivamente, a vítima. Foi assim ao longo da história e ainda será por muito tempo, ainda que haja um tímido movimento de conscientização. São necessárias muitas gerações ainda para que a cultura do estupro seja extinguida, para que o homem entenda de uma vez por todas que o papel da mulher na sociedade não é servi-lo e obedecê-lo.

É capaz que, mesmo depois de toda aquela troca de mensagens, a menina tenha se considerado estuprada por Neymar, se ele fez algo brutal e invasivo, que ela não queria.

Mas, logicamente, Neymar está convicto de não ter estuprado ninguém e vencendo o julgamento da opinião pública após revelar toda a conversa entre eles. O caso parece ter todas as características de uma armadilha, de uma extorsão planejada. É verdade que só ouvimos um lado da história, mas este lado apresentou material convincente para ser considerado vítima.

É muito cedo e esse é um caso de polícia.

Quero me ater à decisão de Neymar de abrir tudo o que abriu para "provar" sua inocência. É claro que ele foi orientado por seu staff (pai?) a fazer isso, mas ainda assim foi um ato de coragem.

Pensando na sociedade brasileira, onde o machismo impera, creio que ele não terá muitos problemas de imagem. "É gente como a gente, troca mensagens picantes, é rico, tem grana, quer comer uma mulherada, está no direito dele, deu azar de cair no conto desta piranha, eu teria feito a mesma coisa". Este será um pensamento recorrente.

Mas, após as revelações feitas pelo próprio Neymar, como fica a imagem dele com patrocinadores mundiais e com clubes de ponta europeus?

É um mar de hipocrisia, não nego, mas não são muitas as sociedades desenvolvidas (que são um público-alvo de quem cuida da imagem de Neymar) que entendem/curtem essa coisa de pagar passagem para mocinhas passarem uma noite "à disposição sexual" de figura pública, de jogador de futebol "bebaço". Enfim.

Cristiano Ronaldo também sofre uma acusação de estupro. Parece uma coisa meio à margem, que, por enquanto, não vai gerar danos à imagem. Ele segue sendo visto como um jogador de futebol, um craque, um fazedor de gols, as análises giram em torno de sua capacidade esportiva. O resto será dito mais para frente, em outra esfera, a judicial.

O que Neymar fez foi trocar o duvidoso pelo certo. Trocar a dúvida (será que estuprou? isso importa?) pela certeza (caramba, olha que promíscua e irresponsável a vida desse rapaz)

E, claro, aumentar ainda mais o debate sobre o que ele faz fora do campo. E bola? E os gols? E os títulos? E o fazer história no PSG? E a Bola de Ouro? E a Copa América?

A bola, cada vez mais, fica em segundo ou terceiro plano quando falamos de Neymar. Uma coisa distante, abstrata, às vezes até nos esquecemos do que ele realmente sabe fazer: jogar bola.

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.