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Julio Gomes

Champions maior que Copa, clubes maiores que seleções

Julio Gomes

09/05/2019 05h32

Sejam todos bem vindos ao Século 21. Eu sei que incomoda muita gente. Eu sei que quando ouvimos que o hoje é melhor que o ontem é como se nosso passado fosse atacado, como se nossa infância ou juventude fosse colocada em terceiro plano, como se nossas experiências fossem desprezadas.

Mas não estou aqui para agradar.

A nostalgia não pode ser tão importante a ponto de turvar análises, distorcer realidades.

Eu amo a Copa do Mundo. Fui a cinco a trabalho, quero ir a todas até o fim dos meus dias. É um encontro entre povos, um raro momento de paz e união no meio de um mundo destroçado, é um incrível festival do esporte mais popular do planeta.

Mas o Século 21 é da Champions League, não da Copa do Mundo.

O Século 21 é dos Liverpool e Barça, dos Ajax e Tottenham, dos Messis e Cristianos, não dos Rússia e Croácia, dos França e Bélgica.

Qualquer comparação entre times, craques, eras, não pode ser feita sem levar em conta este simples fato. A Champions de hoje é a Copa de ontem.

É a competição que reúne os melhores jogadores, os melhores treinadores, os melhores times, os melhores estádios, as melhores partidas. No século passado, as Copas do Mundo eram a única opção para vê-los reunidos, eram a única opção para vermos estilos confrontados, para vermos novidades táticas, evoluções técnicas. Hoje, isso acontece em outro lugar.

A Copa do Mundo continua linda, mas não reúne mais os melhores, os técnicos não têm tempo para fazer o melhor que podem, o torneio é tão espremido, curto, rápido e equilibrado (porque hoje, de fato, "não tem mais bobo") que lesões e outros fatores aleatórios ganham um peso enorme para a definição dos resultados.

Neste século, como consequência do Mercado Comum Europeu, da Lei Bosman e do fracasso econômico que é América Latina, berço da melhor matéria prima para o jogo, os times dos grandes centros europeus transformaram-se em times muito superiores às seleções.

Só para falar de hoje, mas isso já vem de tempos: Barcelona, Real Madrid e até o Atlético de Madrid são superiores à seleção espanhola, Juventus e Napoli são melhores que a Itália, o Bayern é melhor que a Alemanha, meia dúzia de times ingleses são melhores que a Inglaterra (não daria para o cheiro contra Liverpool ou Tottenham), até o PSG é superior à França, campeã do mundo. Os melhores técnicos destes países (Guardiola, Klopp, Sarri, Mourinho, etc) também estão nos clubes.

As exceções são os países sul-americanos, pois aqui o futebol local segue a tônica das sociedades: ladeira abaixo. Então seleções do Brasil, Argentina, Uruguai, Colômbia são mais fortes que os clubes. Os jogadores estão todos no primeiro nível… ou seja, na Champions. É lá que Alisson brilha. Que Fabinho brilha. Que Lucas Moura brilha.

O futebol deste século é tático, é físico, é coletivo, cada vez mais coletivo. Tempo de treino, de estudos, de adaptações, tudo isso é primordial na construção de um time de qualidade. Seleções não têm esse tempo.

Estamos chegando a um quinto de século, e a Champions League 2018/2019 talvez tenha sido a melhor de todas. O que vimos no grupo que tinha Liverpool-PSG-Napoli, o que vimos Cristiano Ronaldo fazer contra o Atlético, o Ajax contra Bayern, Real e Juventus, o United em Paris, o City-Tottenham, o Tottenham em Amsterdã, Messi na primeira semifinal, o Liverpool contra o Barcelona na segunda semi. Ufa. Perdi o fôlego para escrever.

Não é possível colocar na mesma prateleira os jogos de mata-mata desta Champions, da passada, da retrasada e por aí vai com os jogos decisivos da Copa do Mundo da Rússia.

O último grande Mundial, a última Copa em que seleções eram maiores que times, foi em 1998. A última do século passado. Foram também os últimos anos em que os melhores times sul-americanos poderiam jogar de igual para igual com qualquer europeu.

O passado é maravilhoso. Mas é passado. O presente é outro. E também é maravilhoso.

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.