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Julio Gomes

O Brasil ainda não está pronto para o VAR

Julio Gomes

18/10/2018 09h53

Você pode achar que foi pênalti de Thiago Neves, como pode achar que foi Ralf quem buscou o contato e caiu. Você pode achar que a mão de Jadson no peito de Dedé é ou não é suficiente para derrubá-lo.

Só há uma coisa que não se pode discutir. Nenhum dos dois lances é indiscutível.

E, em lances assim, não deve haver uso do VAR.

Pelo pouco que vimos até agora, percebe-se que os árbitros brasileiros não estão preparados para o VAR. E nem mesmo entendem o uso. Sempre desconfiei disso: árbitros aqui apitarão pensando no vídeo, condicionados pelo vídeo, com medo do vídeo.

Essa muletinha não pode existir. Mas simplesmente não vejo como não existir no Brasil.

Alguém aí andou falando que, "na dúvida, o juiz tem que deixar o jogo seguir e ver se vai sair o gol. Depois, revisa". Alexandre Mattos, dirigente do Palmeiras, após aquele gol mal anulado na semi da Copa do Brasil, disse que essa foi a recomendação. Depois, foi desmentido.

Mas percebo que muita gente acha, equivocadamente, que é assim que funciona. Não é.

A Fifa diz que só se "deixa seguir" em caso de impedimento, quando muitas vezes a questão é milimétrica (e não interpretativa). Se o bandeira acha que determinado jogador está impedido, ele deixa o lance seguir e só aponta o impedimento após a conclusão do mesmo. Se sair gol, revisa.

Isso não se aplica a lances de falta.

Ontem, quando Jadson leva a mão ao peito de Dedé, o árbitro leva o apito à boca. Claramente, marcaria a falta, não fosse o VAR. Resolve esperar. E aí, como deu o "azar" de sair o gol de Pedrinho, se obrigou a ir ao vídeo.

Se o árbitro acha que foi falta, tem que marcar! Se ele não achou que foi falta na hora, a um metro da jogada, não poderia ter reinterpretado o lance depois.

A mesma lógica serve para o lance de pênalti marcado para o Corinthians. O árbitro viu o lance e interpretou que não foi falta. Ele não tem que chamar a opinião do VAR depois. E o VAR não pode chamar o juiz para reinterpretar nada.

O VAR só tem que chamar o juiz se houver um lance CLARO, praticamente indiscutível, e que tenha fugido da percepção da arbitragem. Esse é o protocolo. A suposta falta de Thiago Neves em Ralf não é um lance indiscutível. E o árbitro havia visto claramente em campo e tomado a decisão. Segue o jogo!

Mas aí o que acontece? O árbitro leva a mão ao ouvido. Essa é a senha para que se forme a rodinha em torno dele.

Quem achou que as reclamações fossem diminuir nos campos do Brasil? Não se esqueçam: esse é o país do "quem não chora, não mama", o país onde se ganha muita coisa no grito. Não é o VAR que vai evitar as rodinhas, o empurra-empurra, a pressão.

Como bem notou o narrador Milton Leite, do Sportv, durante a transmissão de ontem, o Brasil é o país em que mesmo depois de o árbitro tomar uma decisão com o vídeo, os jogadores seguirão reclamando.

É cultural, como eu disse acima. Mas é, também, um sintoma do nível da arbitragem nacional. Eles são tão ruins, seja ao vivo, seja com vídeo, que ninguém confia.

E querem saber? Dá certo! Porque me parece nítido que a revisão do segundo gol do Corinthians foi uma "compensação" pela revisão do pênalti marcado minutos antes. Quem não chora, não mama.

Acho até que o árbitro de ontem fez um primeiro tempo perfeito. Distribuiu amarelos e controlou um jogo que começou descontrolado. Foi corajoso ao conter a pilha do time da casa, o que nunca é fácil. Mas se perdeu completamente nas decisões da segunda etapa. Apitou pensando no VAR. Não se pode apitar assim. Tem que apitar como se não houvesse VAR.

O futebol é muito complexo e veremos muita coisa acontecer, principalmente nestes anos iniciais de VAR pelo mundo. A própria final de Copa do Mundo já teve um pênalti (para a França) reinterpretado pelo VAR. O jogo tem muitas variáveis e vai demorar um pouco para haver resposta para todos os lances. "Se acontecer isso, se deve fazer aquilo". E por aí vai.

Mas, no Brasil, mal a coisa começou e já está tudo errado. Eu sou totalmente favorável ao uso do vídeo para resolver erros crassos, que é a proposta da Fifa. Mas, no Brasil, está na cara que o VAR vai criar mais problemas do que soluções.

Enquanto os árbitros não forem mais bem qualificados, enquanto não houver coerência, critérios unificados, treinamento e profissionalização, seguirá uma porcaria. Com VAR, uma porcaria ao quadrado.

 

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.