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Julio Gomes

As três derrotas de Cristiano Ronaldo

Julio Gomes

24/09/2018 23h35

Eu não teria dado o prêmio de melhor do mundo a Luka Modric.

Veja, isso não é dizer que o croata não mereça. É um jogador espetacular, destes raros, que são ao mesmo tempo carregadores de piano, talentosíssimos, corajosos. Pode ser um 5, um 8, um 10, pode ser o que o treinador precisar. Um jogador coletivo e, não se enganem, fundamental para o Real Madrid ter quebrado um jejum grande (para o tamanho do clube) e ter vencido quatro das últimas cinco Champions League.

O Real não teria feito nada disso sem Cristiano Ronaldo? Verdade. Mas também não sei se teria feito sem Modric.

Modric é fantástico. Fez uma Copa do Mundo enorme. E aí chegamos ao X da questão. Em prêmios de votação popular, como este da Fifa, uma competição como a Copa do Mundo ganha um peso grande demais. É como se todo o resto da temporada servisse, no máximo, de desempate.

Por isso sempre defendi que a grande chance de Neymar ser eleito melhor do mundo seria na Copa, com a seleção. Não era necessário deixar o Barcelona e sair da sombra de Messi, mas, sim, fazer algo grande com a camisa amarela. Veja, Modric nem mesmo precisou ser campeão do mundo para levar.

Zidane, em 98, Ronaldo, em 2002, Cannavaro, em 2006, não foram os melhores do mundo naqueles anos. Mas foram os melhores daquelas Copas. As exceções foram 2010 e 2014, quando a popularidade de Messi e Cristiano Ronaldo era tão grande que não deu para um espanhol ou para um alemão.

O prêmio Fifa, com votação de técnicos e capitães de todos os países do mundo, ou seja, votos de um monte de gente que não acompanha de perto, não atua, não vive e não conhece o futebol de alto nível, acaba sendo mais ou menos uma enquete popular. Famosos sempre vão sobressair. E, em anos de Copa, o peso do Mundial será absoluto.

Modric perdeu um pênalti na prorrogação das oitavas de final da Copa contra a Dinamarca. A decisão foi para os pênaltis, e o goleiro Subasic salvou a pele da Croácia. E se a Dinamarca tivesse passado? Modric seria melhor do mundo? Claro que não. OK, o "se" não joga. Vieram os jogos contra Rússia, Inglaterra e França. Modric fez tanto assim nesses três jogos para ser o "the best"? Na minha opinião, não.

Eu votaria em Salah, porque creio que a temporada do egípcio foi a mais fora da curva, a mais difícil de ser realizada, dados o time em que atua, o campeonato onde joga e suas próprias limitações técnicas. Salah acabou, de forma bizarra, com o prêmio de gol do ano. Convenhamos, um gol tão belo quanto comum.

O natural seria Cristiano Ronaldo ganhar os dois prêmios. O Puskas, pela bicicleta perfeita que arrancou aplausos da torcida adversária em Turim, em um dos maiores clássicos do futebol mundial. E o prêmio de melhor do mundo também.

A impressão é que o mundo da bola não quis dar a Cristiano um título de melhor do mundo a mais do que Messi. Não quis desequilibrar o equilíbrio histórico entre eles.

Cristiano, competitivo como é, deve estar P da vida. Não deve estar considerando justas as duas derrotas.

Mas, mesmo que ele ache tudo isso, ele nunca poderia ter deixado de comparecer à premiação. Ele era uma finalista, oras bolas. Ele é o Cristiano Ronaldo. O cara jogava ao lado de Modric até outro dia, ganharam tudo juntos. É muito conversinha para boi dormir não ir ao prêmio porque tem jogo quarta-feira (um "gigante" Juventus x Bologna pela sexta rodada da Série A). Acredite nessa quem quiser acreditar.

Cristiano não foi porque quis boicotar o prêmio. Acabou desrespeitando os próprios companheiros de profissão. Boicotando a própria imagem.

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.