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Julio Gomes

A noite mais triste da história do Santos

Julio Gomes

28/08/2018 22h27

Você pode ficar irritado, sentido, desconfiado, o que quiser. Mas não conseguirá mudar essa verdade: o Santos é o maior clube do Brasil fora do Brasil. É óbvio que isso se deve a Pelé. É óbvio que isso se deve ao fato de o Santos ter sido o clube mais vencedor do Brasil na única época da história em que nosso país verdadeiramente dominou o futebol mundial – e ditou tendências.

Pergunte em qualquer país do mundo pelo nome de um clube brasileiro. E maior parte das respostas será: Santos. E vou mais além: talvez por ser o único grande brasileiro sem ter um rival da mesma cidade, o Santos deve ser o clube relevante de menor rejeição no nosso país. Claro que existe rivalidade, o Santos não é exatamente "o segundo time de todo mundo". Mas é difícil encontrar o Santos no topo de qualquer ranking dos mais odiados.

Tudo isso para falar que o Santos tem uma imagem, construída ao longo de décadas, extremamente positiva.

Com o perdão do trocadilho, o Santos tem uma imagem internacional de clube "santo". O que o mundo inteiro verá nos telediários esportivos será uma triste primeira vez.

Sim, já vimos emboscadas nas vielas perto da Vila Belmiro. Já vimos torcida ir ao CT "cobrar". Não é a primeira briga entre santistas e polícia – dois amigos me lembram de um lamentável Santos x Novorizontino nos anos 90, com portões abertos para a torcida pegar o juiz. Nós, aqui, sabemos que marginais estão em todas as torcidas, possivelmente na mesma proporção. Mas é a primeira vez que o nome do Santos vai rodar o planeta de forma tão negativa.

O que aconteceu na noite desta terça, no Pacaembu, não é aceitável. Não é possível falar, como foi falado por alguns, de forma irresponsável, que qualquer tipo de violência é "compreensível".

Não há Conmebol, CBF, dirigentes ou arbitragem que justifiquem a selvageria daquelas dezenas de santistas. Ou melhor, "santistas". Esses caras mancharam uma imagem quase incólume do Santos.

Se o Santos tem tanta certeza de que foi prejudicado pela Conmebol, deveria abandonar a competição. Liderar um movimento com os outros clubes brasileiros, sei lá. Mostrar grandeza. Ser vanguarda.

Mas o que fazem os dirigentes brasileiros? O óbvio. Jogam para a torcida até a responsabilidade de brigar.

Foto: Ale Cabral/AGIF

Não dá para dirigentes e jornalistas considerarem "compreensível" o que vimos, jogar a culpa para a Conmebol. Não dá para passar o pano. É uma vergonha. E se isso fosse em outro país, tipo a Argentina, estaríamos falando o quê, hein? "Animais, etc, etc". Eles são vândalos quando agem assim, mas nós devemos ser perdoados por "não ter sangue de barata"?

Por mais amadora que seja a Conmebol, por mais que decisões tomadas a portas fechadas nos deixem indignados, por mais que no passado outras torcidas de outros países tenham mostrado a mesma selvageria, não dá para compactuar com isso que vimos. A CBF é o mesmo lixo que a Conmebol. E aí? Agora todo mundo pode quebrar tudo nos estádios por causa disso?

E a polícia, claro, o de sempre. Completamente despreparada para situações de tensão. Já vimos isso mil vezes. Deixa a turma entrar com bomba e depois é só na porrada. Aliás, polícia nem devia estar em estádio. Nem polícia e nem esses marginais. Quantos serão presos hoje? Quantos estarão no próximo jogo do Santos?

Se o Pacaembu era um barril de pólvora… se essa era uma tragédia anunciada… por que não se consegue evitá-la?

Está tudo errado. Continua tudo errado. E aparentemente vai continuar sempre tudo errado.

Até mesmo o que vai acontecer agora é previsível. O Santos receberá uma punição de sei lá quantos jogos com portões fechados. Mas no futuro essa punição será diminuída. Os dirigentes da Conmebol continuarão fazendo das suas. Assim como a CBF e nossos STJDs da vida. E esses marginais continuarão no estádio.

Segue o jogo na Libertadores e no futebol das nossas republiquetas bananeiras.

 

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.