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Julio Gomes

Diário da Copa: A mais triste das histórias

Julio Gomes

28/06/2018 10h09

Quando me foi passado o contato de Gilberto Martínez e sua história, eu li e chorei.

Quando encontrei Gilberto Martínez na porta 7 da Arena de Ekaterimburgo, minha garganta deu um nó. Foi difícil começar a conversa. "Sinto muito", disse a ele. "Tenho duas filhas. Não consigo imaginar", balbuciei.

Ele apenas balançou a cabeça positivamente. Enquanto conversávamos, outras pessoas passaram por ele e lhe deram um tapa no ombro. Um ou outro, um abraço.

Gilberto virou uma pessoa famosa no México. Pelo pior motivo possível.

Dois meses atrás, um acidente de trânsito nos Estados Unidos tirou a vida de sua mulher, a argentina Verônica, e os filhos deles, Diego, de 8 anos, e Mia, de 6.

Eles viriam todos juntos para a Copa do Mundo. Diego queria ser jogador de futebol e amava Neymar.

Gilberto resolveu homenageá-los mantendo o plano. Trouxe dois amigos. Foi aos mesmos jogos que iria com sua família, como uma família mexicana mais. Mas ele não é um mexicano mais. Ele é um homem que perdeu tudo, exceto a própria vida.

"Julio, a vida muda em um segundo. Com tudo isso o que aconteceu comigo, aprendi a não dar mais bola para besteiras".

Ele fala baixo. De forma pausada. É como se o tempo estivesse parado enquanto conversamos. "Meu filho é o anjo que vai ajudar os jogadores a fazerem a melhor campanha do México em Copas do Mundo".

Um anjo.

Pela primeira vez na vida, encerro uma entrevista e dou um forte abraço no entrevistado.

Ele se vira. Em sua camiseta branca do México estão os nomes das três pessoas queridas que se foram.

Espero ele subir as escadas e sumir de vista. Volto caminhando para a minha área de trabalho. Meio que arrastando os pés. Pensando em como estamos todos por um fio o tempo todo. Em como não podemos deixar para amanhã o que podemos fazer ou falar já, agora.

O México perdeu da Suécia, mas se classificou. Exatamente como a Copa de Gilberto. O sabor acridoce. A felicidade momentânea misturada com a tristeza profunda. Os sorrisos e as lágrimas convivendo como o sol e a lua nos céus claros da Rússia.

Na segunda que vem, o Brasil irá jogar contra o time que tem um anjo da guarda.

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.