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Julio Gomes

Diário da Copa: Despedidas em Ekaterimburgo

Julio Gomes

27/06/2018 11h23

Ekaterimburgo não é a cidade mais bonita da Rússia. Industrial, um pouco cinzenta. Os ônibus são mais velhos do que em outros lugares. Bancos rasgados. Muitos sinais de destino colados na janela. É mais, digamos, Brasil.

É o lugar em que dois personagens importantes da história russa têm muitas conexões.

Um é Nicolau II. O outro é Boris Yeltsin.

Nicolau foi o último tsar russo. O último imperador. O último "dono" da Rússia (a não ser que você considere que Putin é dono da Rússia, enfim).

A revolução russa de 1917 levou o tsar e sua família ao exílio. Ele passou por varias lugares, até chegar a Ekaterimburgo em março de 1918. Não durou muito.

Apesar de ser (ou de atuar como) uma pessoa amável, em junho de 2018, 100 anos atrás, foi fuzilado. Não só ele. Também a mulher, as quatro filhas e o filho. E os criados. Todo mundo. As filhas carregavam tantos diamantes que o assassinato por baionetas foi demorado e traumático.

Não vi muitas referências de Nicolau II no resto da Rússia. Aqui em Ekaterimburgo, há uma igreja erguida há pouco tempo sobre o lugar onde estava a casa do assassinato. Ele foi canonizado. Considerado um assassinado "injustamente". Mas essa não é uma visão unânime entre os russos.

Yeltsin está em nossa memória recente. O presidente da nova Rússia. Anos difíceis, os 90. O país estava em frangalhos.

Não sei avaliar o legado de Yeltsin. Sei que há um museu para ele aqui. Bonitão, moderno. Mas Anna Svertova não gosta nada dele.

Fala baixinho. "Ele foi uma porcaria de presidente. Mas é daqui, enfim". E olha que Anna nem lembra direito dos tempos soviéticos. Yeltsin nasceu em Butka, um pequeno vilarejo na região dos Urais.

No restaurante italiano do centro de Ekaterimburgo, Anna ajuda a todos os mexicanos que sofrem com o cardápio e o atendimento. É uma cidade quase de interior. A única da Copa na porção asiática, a porta de entrada para a Sibéria.

A Copa passou por aqui, mas é difícil saber o que ela deixará para trás.

"Não quero nem pensar que está acabando. O que será de nós? Quero sair daqui um dia, os invernos são muito duros".

Mas está acabando nesta que é a cidade mais a leste, quase na Sibéria. O Suécia x México desta quarta-feira foi o último jogo de Ekaterimburgo. A primeira cidade a se despedir do Mundial. Estádio bonito. Legado duvidoso. Conhece essa história?

Os legados de Nicolau e Yeltsin fazem parte de Ekaterimburgo. O da Copa… já veremos.

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.