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Julio Gomes

Drone, Diniz, ambição e intensidade: um dia no CT do Atlético-PR

Julio Gomes

24/05/2018 08h09

Lucho faz um lançamento longo, e os quero-queros que passeavam pelo gramado saem voando desesperadamente. Barulhentos, como sempre, eles não querem levar uma bolada. E quase levam uma "dronada". Dura, a vida dos quero-queros.

No CT do Caju, eles dividem espaço com um drone, usado pelo time de análise de desempenho do Atlético Paranaense. Como o terreno é plano, o drone é utilizado para a filmagem dos treinos de Fernando Diniz. Não são só imagens, logicamente. Todos os jogadores têm GPSs no corpo – e isso acontece também nos treinos dos times sub-23 e sub-19.

A análise é completa e complexa. Olhando para a tela do notebook de um dos analistas, eu parecia estar vendo uma daquelas telas de Matrix, com os códigos aparecendo freneticamente em verde na tela preta. Mais compreensível era o controle remoto do drone. Me lembrou o de um carrinho qualquer.

Após o treino, Diniz se reúne com a equipe de análise. São selecionadas imagens, momentos, lances. E os devidos jogadores recebem depois, por WhatsApp, o que a comissão técnica quer que chegue até eles. Entender as novas linguagens é parte do processo.

Alta tecnologia não é novidade nos grandes clubes europeus, mas é coisa de não mais de cinco anos no Brasil. Ainda não são todos os que usam as ferramentas apropriadas. O Atlético-PR sempre esteve na vanguarda.

Um pequeno quadro na sede do clube mostra a ambição. "Visão: Ser o clube de futebol mais moderno e competitivo das Américas".

Talvez outros clubes do Brasil tnham como visão "ganhar domingo".

Na contra-mão do que pedem torcedores e jornalistas (jogadores e títulos), o Atlético investiu em estrutura nas últimas duas décadas. O homem-forte do clube e atual presidente do Conselho Deliberativo, Mário Celso Petraglia, pode ser acusado de muitas coisas (e é, já que a relação com a torcida, que se sente apartada do clube e desprezada, está bastante azeda). Mas ele não pode ser acusado de falta de visão.

Enquanto outros clubes gastaram com jogadores, técnicos, salários exorbitantes, etc, o Atlético Paranaense fez a primeira Arena do Brasil – basicamente com o dinheiro das vendas de Oséas e Paulo Rink, lembra deles? Depois, fez um CT de primeiro nível, que, como qualquer estrutura viva, segue sendo ampliada e modernizada. E ainda fez outro estádio em cima do que já existia, a atual Arena da Baixada, único do Brasil com teto retrátil e gramado sintético.

Para reatar com a torcida, será necessário haver vontade, inteligência e sensibilidade. Mas construir tudo o que o Atlético construiu em 20 e poucos anos é algo bastante mais difícil de ser realizado. As coisas não são excludentes. É possível ser ao mesmo tempo moderno e fiel a algumas raízes. O torcedor apaixonado pode ser ouvido, acolhido, ter sensação de pertencimento – e ao mesmo tempo o clube pode seguir sua linha moderna e estratégica de crescimento.

Paixão, aliás, não falta a Fernando Diniz. Eu já vi muitos treinamentos, de muitos técnicos. O dele é intenso. "Ritmo, ritmo, ritmo". É o que mais se ouve do treinador durante a sessão acompanhada pelo blog no CT do Caju.

"Vai, vai, vai. Tudo rápido. Seis segundos! Seis segundos!".

Não faltam broncas em quem dá passes arriscados e imprecisos no meio de campo, deixando os companheiros expostos atrás. O treino para. Recomeça. Para. Recomeça. "Vai, vai, vai. Ritmo, ritmo, ritmo".

As transições rápidas e fatais não têm sido muito comuns nos jogos do Atlético, já que são os adversários que abusam do expediente. É um trabalho difícil treinar para jogar da maneira como Diniz entende o futebol. Fica mais difícil ainda quando faltam jogadores como Paulo André, gente com o chamado QI futebolístico alto. O sistema e seus automatismos precisam ser assimilados, compreendidos. Depois, mecanizados.

"Quando as coisas estão dando errado, é aí que você tem mesmo que fazer no campo aquilo que treina. E não sair loucamente querendo decidir as coisas. O sistema é nossa maior segurança. Se está perdendo ou está em dificuldade, aí, mais do que nunca, tem de confiar nele, se apegar ao que treinamos todos os dias", fala Diniz, caixinha de água de côco em mãos, olhar no horizonte.

As sessões começam sempre com o tradicional bobinho. Aliás, deveríamos arrumar um nome mais sério para ele. O bobinho é um dos treinos fundamentais para times que queiram sair jogando e manter a posse de bola sob pressão. O jogador se habitua a passar a bola de forma rápida, precisa e automática.

Nos meus tempos de Espanha, principalmente em treinos do Barcelona e da seleção espanhola, lembro que o bobinho ("rondo") era coisa muito séria. No treino do Atlético-PR, o único que presenciei, teve mais gozação do que sequências longas e precisas. São hábitos, cultura local. Quem tem talento, mas não comprometimento, acaba virando peixe fora d'água e tendo de sair, como Gedoz. Precisa de muito treino, foco, tempo para automatizar movimentos. O cérebro não constrói tudo em um ou dois dias. É necessário dar um bom ano ou mais de trabalho para saber se a coisa vai engrenar.

Não faz nem dois anos, por exemplo, que o Atlético contratou a Double Pass, ideia de Paulo Autuori. A empresa belga foi a responsável pela grande revolução no futebol de base da Bélgica e da Alemanha – e tem gente que ainda acha que esses países tiveram "sorte" pela geração atual. Sorte é uma coisa que afeta um jogo ou outro. Trabalho bem feito é o que gera frutos sólidos e consistentes lá na frente.

Mas uma revolução na base, fazendo com que times sub-13, 15, 16, 17, 19, etc, entendam e trabalhem futebol da mesma forma, leva anos. Parece óbvio, mas é necessário muitas vezes ressaltar o óbvio. Este trabalho, iniciado em 2000 na Alemanha, desembocou no título mundial somente em 2014. Façam as contas.

Por que no Atlético Paranaense ele teria resultado em meses?

Lembra do quadrinho com a visão do clube? Lá também está a missão. "Trabalhar com qualidade e responsabilidade desde a captação, formação, aquisição e treinamento de atletas, objetivando a constituição de um time comprometido e vencedor".

Pelos corredores do clube, a reportagem esbarrou mais de uma vez com Paulo André, que está ficando prontinho para pegar o bastão e dar sequência ao trabalho de longo prazo no Atlético. Ele mora no CT. Respira o clube, conhece todos os funcionários, os meninos da base, os dirigentes.

Paulo André faz suas refeições diárias, como todos os outros, em um refeitório anexo à cozinha industrial do clube. A poucos passos e dois lances de escada dali, está a sede administrativa. Um pouco mais à frente, piscinas (aquecida, gelada, para todos os gostos), vestiários, uma quadra coberta com o mesmo gramado sintético da Arena (está sendo construído um outro campo no CT com o mesmo gramado) e, claro, uma academia com o que há de mais moderno. A tela da esteira me pareceu mais complicada do que o controle remoto do drone. Tudo está conectado, para que as informações de cada indivíduo sejam coletadas e analisadas.

Quem nos mostrou os aparelhos foi Jean Lourenço, preparador físico, parte da comissão técnica de Diniz, ex-jogador do clube e há 25 anos no Atlético. Ele viu a mudança acontecer por dentro. E mostra no olhar a confiança dos que estão inseridos no projeto.

O Atlético fala em três ondas. A onda da criação de infraestrutura, de 95 a 2004, a da profissionalização (2005 a 2014) e, agora, vive a terceira, a do protagonismo.

Protagonismo nos bastidores, para gerar mudanças de leis que permitam a injeção de capital externo no clube – o que faria o Atlético dar outro salto e entrar, de vez, no grupo de cinco ou seis principais do país, já que ele se diz o único pronto para ser comprado, com estrutura administrativa de empresa.

E protagonismo no campo, com um projeto multidisciplinar que busca a coesão futebolística do profissional ao mirim e que busca estar imune a desejos, vontades e visões de indivíduos. Tudo precisa fazer sentido para o todo. E tudo parece fazer sentido ao visitar o Atlético.

Logo no hall de entrada da sede do CT do Caju, está uma vitrine com troféus. O do Brasileiro de 2001, o mais importante da história do clube, nem está tão destacado assim. Para ganhar outros como aquele, a fábrica precisa funcionar a todo vapor, com cada setor fazendo sua parte na linha de produção. Convém não se esquecer dos parceiros antigos de empreitada, que se sentem abandonados. E convém ter paciência.

O texto acima encerra a semana de conteúdo exclusivo sobre o Atlético Paranaense. O blog foi convidado para conhecer a estrutura do clube e para uma entrevista com Mário Celso Petraglia (clique para ler a parte 1 e a parte 2). 

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.