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Julio Gomes

O atraso vibra com as derrotas do Atlético-PR

Julio Gomes

20/05/2018 21h00

Todos os jogos do Atlético Paranaense têm história parecida. Durante boa parte dos 90 minutos, um time tenta jogar bola, o outro se defende. Se defende e, claro, adota o contra ataque como plano único para chegar ao gol contrário.

Este segundo jeito de jogar tem nome: futebol reativo. Quem joga em função do que faz o adversário.

É lícito. No futebol, as vitórias podem chegar de várias maneiras. O "jogo bonito" não é o futebol reativo. Isso é questão de gosto, é verdade. Mas existe uma imagem. E a imagem do "jogo bonito", repito, não é a do futebol reativo.

A Argélia, com um jogo ultrareativo, deu mais trabalho à Alemanha na Copa do que o Brasil. É bonito o que a Argélia fez? Depende do gosto. O que não podemos é, adjetivos à parte, não perceber o que a Argélia fez.

Como não podemos não perceber o que fazem os times que enfrentam o Atlético de Fernando Diniz. Entram em campo para se defender e contra atacar, sem pudor algum. E isso independe de local, de grandeza, de história.

O atraso vê a vitória do Fluminense por 2 a 0, neste domingo, no Maracanã, como uma coisa maravilhosa. Futebol é resultado, o que importa é chegar ao resultado. Para mim, uma camisa como a do Fluminense (e tantas outras, estou apenas usando o exemplo de hoje) não merece isso. Jogar diante de sua torcida, no estádio mais famoso do mundo, desse jeito. Para mim, é uma vergonha.

Essa adaptação de jogo em função do que faz o Atlético não é opinião minha. É admitido por todos, basta ver entrevistas de jogadores e treinadores após os jogos. É vista como uma coisa "inteligente". Respeito, mas discordo.

O torcedor aprendeu a só pensar em resultados. Isso é culpa, também, da imprensa de forma geral. E a imprensa é formada por torcedores, também de forma geral, e infelizmente, e aí a culpa é de todo mundo, apartados do jogo que é construído dentro dos clubes. Sabe-se pouco de futebol, essa é uma realidade. Ou, pelo menos, sabe-se pouco de como o futebol é pensado e construído para desembocar no que se vê pela televisão.

O Atlético Paranaense, pelo estilo de jogo que seu treinador adota, enfrenta semanalmente as mesmas retrancas que enfrentam o Barcelona ou a seleção brasileira. Sem, no entanto, ter os jogadores do mesmo nível para cansá-las e furá-las.

Então a impressão é de que o Atlético "joga mal". Oras, é muito difícil jogar bem contra times que apenas se defendem. E aí só sobra o resultado para fazer a avaliação. Se ganhar, foi uma maravilha, porque dominou e ganhou. Se perder, uma porcaria, porque "jogar assim não serve para nada".

Claro que há problemas sérios no Atlético. Tem bastante azar também nas últimas semanas, mas tem problemas. Agora, qualquer treinador especializado no que se faz no Brasil há duas décadas pega um time e monta uma bela retranca em uma semana. Criar um sistema de jogo complexo e sofisticado, ofensivo e imune a tudo isso, leva tempo.

Quem olha futebol com a lupa dos resultados (tipo, todo mundo no Brasil?), não entende a razão de Fernando Diniz não mudar o jeito de jogar para mudar os resultados.

É aí que faço uma metáfora.

Imagine que você, leitor, tenha um conceito de vida inegociável. Por exemplo. Ser fiel. 100% fiel à esposa ou ao marido. Mas você se encontra em um momento de dificuldade financeira, faltam coisas em casa e a saída, você sabe disso, é transar com o (a) chefe. Isso vai gerar uma situação profissional de privilégios, melhores condições de trabalho, etc. Mas veja. Ser fiel é inegociável. Nem passa pela cabeça fazer isso para chegar ao resultado. Passam pela cabeça mil e uma soluções e adaptações para melhoras as coisas, mas não a traição.

É o mesmo com Diniz e com tantos outros treinadores. O entendimento do que é futebol é inegociável. Podem ser feitas adaptações, mas não uma traição frontal de conceito para chegar a um determinado resultado.

O jeito de jogar futebol do Atlético-PR é o jeito de jogar dos grandes times e seleções de onde o futebol está no mais alto nível. Pode ser que isso não dê certo no Brasil. Porque times grandes não se importam em envergonhar sua história para conseguir uma vitória. Porque o material humano para colocar isso em prática é fraco. Por N razões.

Mas torcer para que isso dê errado é puro atraso. É o verdadeiro espírito do vira-lata.

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.