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Julio Gomes

Na era das superpotências, feito do Barcelona já não é tão histórico

Julio Gomes

22/04/2018 04h00

O Barcelona deu sequência à era mais vitoriosa de sua história e conquistou ontem, com a goleada sobre o Sevilla, a Copa do Rei número 30 para a galeria de troféus do clube.

A Copa do Rei, quase sempre conquistada em Madri, diante dos olhos da realeza, com direito a hino nacional espanhol vaiado, tem um gosto especial para os catalães.

No fim de semana que vem, em La Coruña, o Barça deve garantir matematicamente também o título espanhol número 25 – o Real Madrid tem 33 Ligas, mas 19 Copas do Rei.

A imagem dos 5 a 0 sobre o Sevilla, no sábado, e talvez seja a imagem do título de Liga também, foi a dos aplausos a Iniesta – que deve anunciar aposentadoria em breve.

Mas qual será a imagem da temporada do Barcelona? O Iniesta levantando taça? Ou o Iniesta estupefato vendo, do banco de reservas, o time ser eliminado da Champions League em Roma? Falarei mais disso mais adiante.

Confirmada a conquista da Liga domingo que vem, será o oitavo "doblete" do Barça na história, ou seja, a oitava temporada com títulos de Liga e Copa. O Athletic Bilbao conseguiu cinco vezes, sendo a última nos anos 50. O Real Madrid, quatro vezes, a última em 88/89. O Atlético de Madrid tem apenas um doblete.

Isso dá bem a medida do feito. Ele é raro. Ou era raro. Pelo menos para o Barça.

Sempre gosto de usar 2003 como o ano do recorte. O ano da chegada de Ronaldinho ao clube. Ali, começa a virada. Vêm a confiança, os títulos, vem Messi, vem Guardiola, etc.

Até 2003, haviam sido quatro dobletes do Barça na história, ou seja, mesmo número do Real. Desde então, se confirmado o título da Liga na semana que vem, este número dobrou. E com um detalhe: em 2009 e 2015, o Barça conseguiu o triplete, pois ganhou a Champions também – o Real, mesmo sendo o maior campeão europeu, nunca fez um triplete.

E é aí que está.

Hoje o doblete que vale é o Champions + Liga doméstica. E não mais Liga + Copa locais, como antigamente.

Enquanto a Champions League era ainda a Copa dos Campeões da Europa, alguns grandes clubes podiam passar anos sem disputá-la. Só entravam caso ganhassem a liga doméstica.

Na "era Champions", todos os grandes estão sempre lá. Desde 1997, o Real Madrid esteve presente em todas as edições. Neste mesmo período, Barcelona e Bayern só ficaram de fora uma vez. Manchester United e Arsenal, apenas duas. O Chelsea só ficou de fora de uma Champions desde que foi comprado por Abramovich. Juventus e Porto ausentes? Raríssimas vezes.

Com este novo formato de futebol europeu, o livre mercado no continente, a globalização, os direitos bilionários de TV, surgiram as hiperpotências – não preciso listar quais são.

E na era das hiperpotências, amigos e amigas, não me venham "só" com doblete doméstico. O que importa mesmo é a Champions. É lá que estão os rivais do mesmo tamanho.

O doblete doméstico do Barça é raro, como já vimos. Será comemorado, sem sombra de dúvidas. Mas não há como apagar o derretimento inexplicável nas quartas de final da Champions, apanhando de 3 a 0 de uma Roma de qualidade duvidosa (após ter feito 4 a 1 na ida).

Talvez daqui uns anos alguns se esqueçam do doblete. Ou confundam com algum outro – já que o feito virou corriqueiro. Mas ninguém se esquecerá da tragédia catalã em Roma por um bom tempo.

Assim como Guardiola possivelmente será lembrado pelos fracassos com o Bayern de Munique na Champions, e não pelos recordes nos três títulos de Bundesliga.

É o ônus do futebol na era das potências.

Está ficando chato, dirão alguns. Em termos de competitividade, está mesmo. O futebol nacional nos países europeus está altamente previsível. A ponto de dobletes, como este que o Barça conquistará, não serem mais vistos como feitos históricos.

Com tão poucos rivais à altura, convenhamos… a notícia não é nem o Barça fazê-lo de forma recorrente. A notícia é o Real Madrid não conseguir ganhar Liga e Copa desde 1989.

Por falar em Real Madrid. Depois de começar a temporada com tanto favoritismo no Espanhol, perdeu o campeonato ainda no primeiro turno. Está 15 pontos atrás. Foi eliminado da Copa do Rei em casa pelo minúsculo Leganés. Mas, se ganhar a Champions, que seria a quarta em cinco anos… quem seria o grande vencedor da temporada?

Pois é. O tamanho do doblete do Barça vai depender mais do que Real Madrid do que outra coisa.

 

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.