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Julio Gomes

Wenger mudou a história do Arsenal e foi muito mais que um simples técnico

Julio Gomes

20/04/2018 11h09

Dizem que o Arsenal é o time inglês com maior número de torcedores (ou simpatizantes) no Brasil. Talvez o mesmo aconteça em outros lugares do planeta. Se há um responsável por isso, o nome é Arsene Wenger.

Este é apenas um pequeno exemplo do tamanho do legado deixado pelo francês, que anunciou nesta sexta-feira que deixará o clube ao final da temporada.

O Arsenal era um antes dele. Passou a ser outro depois. Um clube respeitado, que eleva o nível do futebol, dono de um campo onde a bola é bem tratada.

Conhecer um pouquinho melhor do que era o Arsenal pré-Wenger (e de um jeito divertido) é a leitura de "Febre de Bola", um livro imperdível para quem ama futebol. Publicado por Nick Hornby em 1992, quatro anos antes da chegada de Wenger ao clube, o livro mostra um Arsenal dono de um futebol duro, feio, tipicamente inglês. Uma torcida que sofria mais do que se divertia em Highbury.

Antes de Wenger, o Arsenal havia vencido o Inglês dez vezes, a Copa da Inglaterra seis vezes e a glória europeia resumia-se a uma Recopa e uma Uefa. Já era um clube grande e popular em Londres, mas estava longe de ser um protagonista no continente.

Depois de Wenger, vieram três Premier Leagues, uma delas de forma invicta, sete Copas da Inglaterra, a presença em todas as edições da Champions League moderna (exceto a atual) e o vice-europeu de 2006. O Arsenal passou a ser protagonista.

E da melhor maneira possível. Não virou protagonista pelos títulos mas, sim, pelo encantamento produzido. Pelo bom futebol, agradável de se ver, que passou a atrair fãs no mundo todo e atrair também jogadores, que queriam vestir a camisa do Arsenal e jogar com Wenger.

Por que o Arsenal tem tantos simpatizantes no Brasil? Porque este momento de ótimo futebol coincidiu com o advento da TV a cabo e início de transmissão da Premier por aqui, em conjunto com o declínio do futebol brasileiro – o que faz com que muita gente prefira e veja apenas futebol europeu. Algo parecido aconteceu no mundo, com a expansão da Premier.

O declínio de resultados do Arsenal coincidiu com a venda de clubes a investidores estrangeiros, começando pelo Chelsea, 15 anos atrás. Ao mesmo tempo, o Arsenal construiu um estádio novo. A presença na Champions League em absolutamente todas as temporadas foi essencial para manter o clube saudável financeiramente.

Os primeiros 10 anos de Wenger foram um sucesso estrondoso. A segunda metade da parceria não foi tão exitosa, mas isso tem muito mais a ver com o contexto financeiro da Liga do que propriamente um técnico defasado em relação aos outros.

22 anos talvez seja tempo demais para um técnico, mesmo. Todos pregamos a continuidade, mas com moderação. Talvez de 3 a 5 anos em países "normais", de 5 a 10 na Inglaterra, seja um período ideal. Mais do que isso significa acomodação geral de funcionários, jogadores, até torcedores.

Por isso, muitos fãs do Arsenal estão felizes com a mudança, sentem que já era a hora.

A vida pós-Wenger não será fácil, como não está sendo para o Manchester United pós-Ferguson. É muito tempo trabalhando da mesma forma. Quem pegar o clube, pegará um abacaxi.

Por enquanto, no entanto, o clube está em uma semifinal de Europa League. E o anúncio de Wenger foi inteligente, pois dará fim a especulações e críticas e vai gerar uma grande união em torno do clube e a perspectiva de um título europeu inédito para ele.

Seria merecido.

De qualquer forma, já me adianto às homenagens que marcarão este último mês de temporada. Merci, Arsene.

 

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.