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Julio Gomes

Obrigado, Zé Roberto. Tua história é mais digna que a da Portuguesa

Julio Gomes

10/01/2018 13h26

O Palmeiras não quis que Zé Roberto jogasse a Série A2 pela Portuguesa. Ou talvez o próprio Zé Roberto não queira se meter nessa roubada. Se for a primeira opção, só temos a lamentar a pequenez do presidente palestrino. Se for a segunda, é mais do que compreensível.

De qualquer forma, a despedida de Zé Roberto com a camisa da Lusa e do futebol deu-se mesmo na tal Copa Rubro-Verde. Vencida pela Portuguesa carioca. Sem a chance de Zé Roberto bater nem o pênalti decisivo para a Lusa, porque os craques anteriores mandaram duas cobranças quase para fora do estádio. Era uma festa para ele levantar um troféu. Não rolou.

Enfim, a cara da Portuguesa.

Um clube que foi ao longo dos anos dividido em clãs. Explorado por famílias gananciosas que se acham donas da Portuguesa e do legado português em São Paulo. Que enriqueceram. Que ocuparam o clube e ocupam até hoje. Afinal, ainda falta uma última grande oportunidade de fazer dinheiro: a tal venda do terreno todo onde está o estádio do Canindé. Então as moscas seguem lá rodeando o estrume.

Em 2011, por obra quase do acaso, a Portuguesa fez uma das melhores campanhas da história da Série B no Brasil. O time foi apelidado de "Barcelusa", pois aquele foi também o ano mais brilhante do Barcelona de Guardiola.

Finalmente de volta à primeira divisão, havia ali uma luz no fim do túnel. Bons jogadores, torcida de volta, bom ambiente. Alguma perspectiva. Enquanto a Barcelusa ganhava a Série B, Zé Roberto jogava no Al-Gharafa, lá no mundo árabe, no que ele mesmo achava que seria seu último contrato. Ele tinha já 37 anos.

Ali, a Portuguesa, uma instituição cheia de "quases" na história, de momentos em que "se tivessem feito isso ou aquilo", deixou passar mais uma.

Ali, no fim de 2011, o clube deveria ter resgatado Zé Roberto. Estava fácil. Ele viria na hora. Nunca teria ocorrido, por exemplo, o rebaixamento no Paulista de 2012. Zé Roberto teria jogado alguns bons anos no seu clube de coração. E o ganho esportivo teria sido imenso, basta ver o rendimento dele nestes seis anos de Grêmio e Palmeiras.

Mas a Portuguesa é isso aí. Vamos lembrar que lá em 97, após o clube dar aquela sorte tremenda de quase ganhar um Campeonato Brasileiro, o dinheiro das vendas do próprio Zé Roberto e de Rodrigo Fabri para o Real Madrid foi parar no Uruguai. E grandes prédios e padarias apareceram por São Paulo.

Vamos lembrar que após a vergonhosa escalação irregular de Heverton, em 2013, o clube, mesmo com diretoria nova (um dos clãs), empurrou o caso para baixo do tapete, nunca investigou, nunca quis saber o que tinha acontecido – ainda que nas alamedas do clube todos falem com certeza sobre o que ocorreu. Quiseram guardar o esqueleto dentro do armário.

Mas o esqueleto virou um fantasma, que se multiplicou em forma de rebaixamentos, processos, dívidas e vexames, fazendo o Canindé ser hoje uma verdadeira casa mal assombrada.

A Portuguesa foi responsável por Zé Roberto ter todos os dentes da boca, como ele mesmo disse. Um grande homem, uma grande pessoa, que mostrou gratidão. Gratidão esta que essas famílias exploradoras não sabem mostrar. Já que fizeram tanto dinheiro com o clube, por que não vão embora simplesmente? Por que não somem?

Eu queria levar minhas filhas ao estádio no domingo. Não levei porque chovia muito, não seria adequado para crianças de 1 e 4 anos. Queria levar minhas filhas para ver Zé Roberto. Não para ver a Portuguesa. Porque essa está presa no passado, dentro de uma caixa qualquer, jogada no fundo de alguma sala empoeirada, cheia de ratos, baratas e morcegos tomando conta.

Na primeira metade da década de 50, a Portuguesa talvez tenha tido o melhor time do Brasil. Foi um clube enorme. Revelou grandes jogadores, cedeu muitos para a seleção brasileira. Teve repiques nos anos 70, 80 e 90. Nos apaixonou. Mas a dignidade foi sendo perdida com o tempo, com a omissão, com as falcatruas, com a falta de visão. O verdadeiro torcedor luso, que nada tem a ver com as políticas e politicagens, é quem paga o pato. Mas o clube, de fato, não merece mais do que tem hoje.

Obrigado, Zé. E desculpas. Creio que é tudo o que posso falar.

 

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.