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Julio Gomes

Cristiano Ronaldo ou Renato Gaúcho? Apenas parem, por favor

Julio Gomes

15/12/2017 04h00

De repente, Renato Gaúcho faz uma piada. Isso mesmo, uma piada. Ao seu estilo. Bonachão, cariocão, malandrão, todo cheio de si. Eu gosto do Renato. Não gosto do culto à malandragem nociva que assola nosso país, mas acho ele bem mais que isso. Acho esse estilo necessário, o futebol precisa de gente assim. E gente assim faz esse tipo de gozação, do tipo "joguei mais bola que o Cristiano Ronaldo".

A fanfarronice é ótima para discussões de mesa de bar. E claro que não passou daquilo. De uma piada, uma brincadeira, um deboche. Mas o mundo gira que gira, dá voltas e mais voltas, e chegamos a um Grêmio x Real Madrid na final do Mundial de Clubes. Justo o Grêmio de Renato contra o Real de Cristiano.

E aí abriu-se uma "discussão". Que, logicamente, é uma não-discussão.

Porque Cristiano Ronaldo é simplesmente o melhor atacante da era mais competitiva da história do futebol (não estou colocando Messi como atacante).

"Ah, mas Julio, nos tempos de Pelé tinham muitos mais grandes jogadores". E aí começam a listar um monte de meias, atacantes, gente divina, que marcou o futebol. Mas não vejo a listagem com muitos zagueiros, volantes, goleiros.

O quanto era mais fácil fazer gol? Naquela época ou na atual? Basta ver os números. Em que tempos se jogava mais jogo de alta competitividade? Naquela época ou na atual?

Comparar épocas é muito delicado. Porque se 50 anos atrás os atacantes eram menos protegidos pelas arbitragens, as bolas eram de couro, o material esportivo era pior, os campos eram horríveis, a medicina não era evoluída, etc, etc, etc, etc, etc, hoje em dia temos tudo isso acima valendo para todo mundo, não só para quem mete gol. E mais. Temos vídeos, temos TV e Internet mostrando tudo o que todos fazem. E isso beneficia muito mais destruidores do que construtores. A competição é mais equilibrada.

Um zagueiro que enfrentou Pelé e Garrincha em uma Copa do Mundo tinha visto quantos jogos deles? E hoje, alguém que enfrenta Messi e Cristiano Ronaldo? Quem levava mais vantagem, portanto? Os defensores daquela época ou os de hoje, que sabem até a cor da cueca dos caras?

"Ganhar prêmios em outras épocas era mais difícil, porque havia mais craques". Sim. Sem problema algum se você quiser considerar que Xavi, Kaká, Ibrahimovic, Iniesta, Neymar, Kroos, Suárez, Roberto Carlos, Buffon, Ronaldinho, entre tantos e tantos outros, não são ou foram craques.

Pelé e Di Stefano foram os reis do seu tempo. Depois vieram Cruyff e Beckenbauer. Maradona, Romário, Ronaldo, Zidane. E vieram Messi e Cristiano Ronaldo. São eras. Os gigantes de determinadas eras.

É neste grupo que está Cristiano Ronaldo. O maior do seu tempo ao gosto de alguns. Ou o segundo maior.

Quem fala que Cristiano Ronaldo é apenas físico ou que treina mais que os outros e, por isso, triunfa, comete uma injustiça do tamanho da boca de Renato Gaúcho. É uma mentira que anda sendo contada por aí e que está colando.

O que exatamente é a tal técnica que outros têm melhor que Cristiano Ronaldo? Chutar para o gol é técnica? Domínio de bola, passe, visão de jogo, drible em velocidade, cabeceio… essas coisas são o quê, então? Brasileiro se confunde muito, acha que "técnica" é ficar dando pirueta nas embaixadinhas de aquecimento antes do jogo.

Não usarei adjetivos, porque não estou aqui para ofender ninguém. Mas, na minha opinião, quem fala isso em público, que Cristiano é muita dedicação e pouco talento, passa vergonha.

"Ah, mas Cristiano Ronaldo só jogou em timaço". Sim, é o que acontece com os gênios. Jogam em timaços. Talvez justamente porque eles joguem lá é que são timaços. Ou as seleções brasileiras e os Santos de Pelé não eram timaços?

Cristiano Ronaldo, assim como Romário, foi se transformando em um jogador mais de área justamente porque o tempo passa, a velocidade diminui, a mudança de ritmo na arrancada não é mais a mesma e tudo mais. Mas vamos lembrar que ele foi um ponta na maior parte da carreira. Driblador, velocista. E que chuta com as duas pernas, cobra faltas, faz gols de cabeça, etc, etc, etc.

Nem preciso aqui continuar a elencar as qualidades de Cristiano Ronaldo. Quem quiser vê-las, é só ligar a TV.

Uma das pessoas que me mostrou, em diversas entrevistas bate papos, o quão grande era Cristiano Ronaldo foi um tal Luiz Felipe Scolari. Falando coisas que nem cheguei a publicar. Quase caí da cadeira ao ver Felipão dizendo que "Renato jogou mais, mas Cristiano é mais goleador". Colocando gasolina na fogueira do pachequismo. Espero, sinceramente, que seja fanfarronice dele também.

Até porque Cristiano Ronaldo deve estar pouco preocupado com as brincadeiras de Renato. Mas não vai gostar muito de ouvir o que falou Felipão, um dos técnicos mais importantes que ele já teve.

Uma semana atrás, ouvi uma entrevista de Tostão à rádio Bandeirantes, para José Luiz Datena. Datena disse que considerava Tostão "melhor do que esses caras de hoje em dia, tipo Cristiano Ronaldo". A resposta de Tostão foi mais ou menos assim: "De jeito nenhum. Sei que fui um bom jogador, mas de forma alguma é possível me comparar ao Cristiano Ronaldo". No que o apresentador finalizou com um "só fala isso porque é muito humilde".

Não! Tostão fala isso porque entende MUITO, mas MUITO de futebol. Eu tenho a humildade de mudar várias opiniões minhas depois de ler e ouvir o que Tostão tem para falar.

Não é possível que a auto estima do brasileiro esteja tão em baixa, a ponto de querermos ficar rebaixando os gênios do futebol atual somente porque nenhum deles veste a camisa amarela.

Podemos ver isso diariamente, na tentativa forçada de colocar Neymar no mesmo patamar de Cristiano Ronaldo. Neymar é um monstro, um gênio, é o terceiro melhor jogador de futebol do mundo, como foi Garrincha na era de Pelé e Di Stefano. Não tem por que ficar fazendo isso.

Eu não vi o Renato do Grêmio, vi do Flamengo para frente. E vi recentemente reportagens sobre seu fracasso na Roma. Acho que nenhuma lista dos 10 melhores atacantes brasileiros da história terá Renato. Talvez, apenas talvez, ele entre em uma lista dos 10 melhores dos últimos 40 anos. Talvez.

Se Cristiano Ronaldo tivesse nascido no Brasil, eu não tenho dúvidas de que ele seria considerado o segundo maior jogador da história do futebol.

Pachequismo tem limites. Apenas parem, por favor.

 

 

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.