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Julio Gomes

Rhodolfo e Vizeu precisam ser punidos exemplarmente

Julio Gomes

20/11/2017 03h22

Aqui no Brasil, estamos acostumados a achar que no futebol vale tudo. Não é nem só no profissional, não. É no próprio futsal ou society semanal entre amigos.

A frase que consagra o "vale tudo" é essa aqui: "o que acontece no campo, fica no campo". A historinha do "código de ética" próprio do esporte. Podemos nos agredir à vontade dentro das quatro linhas, depois vamos tomar uma cerveja, como amigos que somos.

Claro que tais "convenções" não levam em conta pessoas que não gostam de passar por agressões morais constantes ou crianças que não querem lidar com tal nível de agressividade para poder praticar o esporte. Claro que quem tenta lutar contra as convenções é acusado de estar de mimimi.

Há uma tentativa, por parte de técnico, torcedores e dos envolvidos, de ressaltar o "lado bom" do atrito entre Rhodolfo e Vizeu na vitória do Flamengo sobre o Corinthians, ontem. OK, é compreensível.

Mas não é aceitável.

O lado bom seria a demonstração de um time com caráter e fome de ganhar.

Um jogo de futebol não pode ser uma bolha dissociada da sociedade. Uma espécie de jaula da morte, no melhor estilo Mad Max. Não podemos nos esquecer que um jogo de futebol é visto por parcela importante da sociedade. Que jogadores são copiados por crianças. Todas as atitudes, as boas e as más.

O futebol é tão poderoso que ele não é apenas reflexo da sociedade em que está inserido, mas também influencia e é copiado pela própria sociedade.

A quantidade de ofensas proferidas entre atletas, entre atletas e árbitros e das arquibancadas para o campo é completamente desproporcional. Xinga-se e ofende-se com a mesma naturalidade que se toma água. Isso sem contar a contestação ostensiva a cada decisão dos árbitros.

Que lições o futebol brasileiro tem passado à nossa já combalida sociedade?

OK, não irei mudar o mundo, infelizmente. Jogadores, profissionais ou amadores, continuarão se xingando, como Rhodolfo e Vizeu se xingaram neste domingo.

Só que é importante ressaltar que eles foram além. Uma cobrança normal de Rhodolfo por um erro de posicionamento de Vizeu virou um bate boca entre eles. Ato seguido, o zagueiro desferiu um soco no jovem atacante. Parecia transtornado, companheiros tiveram dificuldades para segurá-lo. Segundos depois, Vizeu fez o terceiro gol do Flamengo e mandou um dedo do meio para Rhodolfo que atravessou o campo inteiro e que certamente atravessará todos os oceanos e será mostrado em todos os programas esportivos do mundo.

Afinal, não é todo dia que vemos um atacante comemorar seu gol mandando um dedo do meio para um colega de equipe. Ainda mais no clube mais popular do "país do futebol".

Transfiram a cena para o escritório de uma financeira ultracompetitiva. Pode ser normal ver dois profissionais se cobrarem em um momento tenso da vida profissional. Mas e se xingarem? E se agredirem verbalmente e fisicamente? Você acharia normal?

Depois do jogo, os dois apareceram juntos para uma entrevista no estilo paz e amor. Rhodolfo não parecia entender o tamanho de seu erro (o soco) e não parecia ter engolido muito o tal dedo do meio. Foi impressão minha e de outros colegas que acompanharam a entrevista. Vizeu assumiu o discurso do "jovem impetuoso", "ainda estou aprendendo", etc. Quase assumiu a culpa. Uma culpa que ele tem, sem dúvida, mas que não se compara à culpa de quem desfere um soco em um companheiro de trabalho – e de time.

De qualquer forma, Vizeu só aprendeu aos 20 anos de idade que não se faz o que ele fez. E quantos meninos e meninas terão "aprendido" a ver agressões e xingamentos e considerar tudo isso normal? Ainda mais se eles ligarem a TV de noite e verem tanta gente minimizando o acontecido. "É tudo do jogo, só exageraram um pouquinho". Oras.

Sei que muito torcedores gostaram de ver jogadores do seu time se pegando, principalmente por ser, o Flamengo, um time acusado de "falta de raça" e também porque deu certo – ninguém foi expulso e o jogo foi ganho.

Não quero posar de falso moralista e sei que a tensão faz parte do jogo. Mas não dá para aceitar o que aconteceu na Ilha do Urubu, que acabe em um abraço e fique tudo para trás.

Diretoria do Flamengo e tribunais esportivos precisam tomar medidas duras, duríssimas, para o que aconteceu não se repita mais e sirva de exemplo. Mesmo que eles, os cartolas e juízes, não acreditem no que estiverem fazendo.

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.