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Julio Gomes

Quando os clubes tomarão atitudes sérias em relação aos organizados?

Julio Gomes

13/11/2017 16h38

Há quem diga que torcidas organizadas são um braço importante de organizações criminosas no Brasil. São parte de operações de transporte, armazenamento, etc, e contam com a "boa vontade", digamos, tanto de elementos da polícia quanto da justiça. É um vespeiro em que ninguém quer mexer.

Os que vivemos de e para o futebol, temos um discurso muito difuso sobre os organizados. Na mídia, ouvimos críticas duras quando há atos de violência. Mas, de forma diluída, há muitos posicionamentos que nada mais fazem legitimar esses grupos. O mesmo acontece entre pessoas que trabalham nos clubes profissionais.

"São os que torcem de verdade e apoiam o time". "Eles têm direito de xingar, porque pagam ingresso". "É bom que os jogadores sintam um calor de vez em quando". E por aí vai.

Eu entendo que dirigentes de futebol tenham medo de encarar esse problema de frente. Afinal, estamos falando de pessoas de carne e osso, que recebem ameaças pesadas e não querem ter suas famílias afetadas por marginais. É complicado mesmo.

Mas quem assume uma posição de liderança em um clube de futebol quer o quê? Só as benesses do cargo? Quer poder e projeção, mas quer empurrar problemas para baixo do tapete?

No caso do Palmeiras, as notícias que chegaram (como esta aqui, publicada em janeiro pela Folha), são de um rompimento do ex-presidente, Paulo Nobre, com a Mancha, principal organizada. A relação com a Mancha teria sido também o pivô do afastamento entre Nobre e o atual presidente, Maurício Galiotte. A Crefisa, principal financiadora do clube, bancou também o Carnaval da Mancha, como se noticiou na época.

Depois da lamentável ação da torcida antes do jogo entre Palmeiras e Flamengo, Galiotte soltou uma nota oficial dizendo que "manterá a política de não conceder privilégio às torcidas organizadas".

Só neste ano, tivemos o Corinthians recebendo torcedores organizados para uma "reunião" com os jogadores quando o time afundava na crise de resultados no segundo turno. O São Paulo fez o mesmo, recebeu organizados quando ocupava a zona de rebaixamento. No Santos, no Inter, no Vasco, na Ponte Preta e até na Chapecoense vimos e vemos este tipo de torcedor agir com violência e intimidação em 2017. Vimos aquela cena horripilante antes do Coritiba x Corinthians, no primeiro turno.

Eles se consideram (e parece que são mesmo) donos dos clubes. Legítimos e únicos representantes. O resto é torcedor de sofá, que não tem voz nem importância. E é assim em todos os clubes profissionais do Brasil, do maior ao menor.

Vamos lembrar que as torcidas organizadas usam nomes e símbolos que só deveriam ser explorados comercialmente pelas entidades. Estrangular as torcidas financeiramente seria algo relativamente fácil. Basta clubes e autoridades quererem.

Mas querem?

Haveria algum tipo de problema nos estádios durante os clássicos se o espaço da torcida visitante fosse ocupado por torcedores não organizados? Por famílias, vamos. E se na torcida mandante não estivessem os organizados do time anfitrião? Será que não há medidas mais dolorosas, mas também mais eficazes e democráticas do que a tal "torcida única"?

Alguém já notou como os organizados são majoritariamente os torcedores presentes quando qualquer time grande joga fora de casa? Seja pelo Brasileiro seja pela Libertadores. Seja em um campo a 100km de distância da cidade do clube, seja no México, seja no Japão.

Quem paga por isso? Quem financia essas viagens? E o que é levado e trazido nessas viagens? O que acontece nas estradas durante essas rotas?

Será que, se houvesse menos subsidio oficial a esse tipo de gente, não seria possível baratear os ingressos para o "torcedor comum"?

Eu me permito não acreditar na nota do Palmeiras, assim como não acredito em quase nada do que dizem os dirigentes do futebol brasileiro. Acreditarei quando não vir mais organizados nos estádios, quando os ingressos para os setores destinados a eles estiverem nas mãos, por exemplo, de instituições de caridade ou de pessoas de baixa renda, por exemplo, das escolas públicas da região.

Acreditarei quando clubes não admitirem mais essas "visitas" e passarem a atuar financeiramente contra essas instituições.

Por enquanto, aos meus ouvidos, as palavras do presidente do Palmeiras são tão sólidas quanto as pipocas que voaram em direção ao ônibus do time.

Espero que o tempo me desminta.

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.