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Julio Gomes

A Itália buscou a tragédia. E ela veio

Julio Gomes

13/11/2017 19h45

Parece incrível. Mas uma Copa com 32 seleções não terá a Itália, tetracampeã, que não ficava fora desde 1958. Triste? Sem dúvida. Justo? Sim. Surpreendente? Nem tanto.

O sufoco italiano, que acabou em tragédia, não foi exclusivo nessas eliminatórias, o que diz muito do que é o futebol hoje em dia.

O Brasil começou as eliminatórias sul-americanas mal como nunca antes. Corria risco real de ficar fora da Copa, até que chegou Tite e tudo mudou. A Argentina, então, passou a ficar em zona de risco devido aos maus resultados. Trocou de técnico, não adiantou – o futebol continuou péssimo – e só foi à Copa porque Messi resgatou os argentinos em um jogo estranho no Equador, na última rodada.

Por fim, mais uma campeã mundial em risco. A Itália. Como já era lógico, foi segunda colocada no grupo da Espanha e precisou jogar na repescagem. Enfrentou a Suécia, uma seleção com certa tradição e que deixou de fora a Holanda.

Holanda, por sinal, que, depois de ser finalista da Copa-2010 e terceira na Copa-2014, acabou fora da Euro-2016 e da Copa do ano que vem.

O drama italiano aumentou com a derrota por 1 a 0 no jogo de ida. E foi se acentuando em San Siro. Posse de bola de 75% (será que a Itália já teve tanto a bola assim antes?), mas só seis finalizações a gol, pouca criatividade. Alguma pressão, lógico, até pelo desespero. Alguma sorte, porque o árbitro espanhol Mateu Lahoz resolveu perdoar duas mãos de italianos na área no primeiro tempo. Esse juiz é péssimo, mas teve lá algum mérito ao decidir não decidir a partida com penaltizinhos reclamados pelos dois lados.

No fim, o 0 a 0 foi o que o jogo mereceu. A Itália não joga bom futebol, a Suécia se defendeu bem. Arrivederci.

A Itália já vem há muitos anos alternando boas e horrorosas competições. Em Copas do Mundo, a eliminação vexatória para a Coreia em 2002 (não sei de onde tiraram tanto choro sobre aquela arbitragem) foi seguida pelo tetra em 2006, mas depois vieram eliminações na fase de grupos em 2010 e 2014. No meio disso, no entanto, veio uma final de Euro-2012.

Será que a Itália faria um papel tão melhor assim que a Suécia ano que vem?

É um país com estádios caindo aos pedaços, clubes com estruturas muito distantes dos outros grandes europeus, nenhum planejamento de base, conceitos antigos de futebol. Charme e hino bonito não ganham mais jogo.

Aliás, antes do início do jogo, quando a torcida italiana em Milão vaiou o hino sueco, algo muito raro de se ver na Europa, ainda mais entre países sem rusga histórica, já se imaginava que a noite não seria das melhores. Buffon aplaudiu o hino sueco efusivamente, mostrando como era errada a atitude dos tifosi.

Ainda que muitos tenham se acostumado a sempre considerar a Itália favorita (até porque "analisar" peso de camisa e lista de títulos é sempre mais fácil), já há muito tempo ela não faz jus a esse status. Não é uma seleção consistente. Joga um futebol pobre, parado no tempo. Defender-se bem não é mais exclusividade de italianos, por sinal. A Suécia mostrou isso hoje.

No futebol de clubes, a Juventus renasceu e o Napoli joga bom futebol. Há técnicos italianos bons, nova geração, há algum renascimento. Mas a seleção paga o preço dos anos passados de estagnação do calcio.

Vamos acrescentar ao drama argentino e à tragédia italiana algumas coisas que não chamam tanta a atenção, mas merecem nota.

O Chile, campeão de duas Copas Américas seguidas, ficou atrás do Peru nas eliminatórias – e fora da Copa. Os Estados Unidos, que sempre entraram com facilidade via Concacaf, foram eliminados. Japão e Coreia sofreram como não costumavam sofrer na Ásia. Na África, só a Nigéria, entre os classificados, havia jogado em 2014. Marrocos, Tunísia, Egito e Senegal são novidades, e seleções frequentes, como Gana, Camarões e Costa do Marfim, ficaram de fora.

O que tudo isso mostra?

Mostra que o futebol global é, hoje, muito equilibrado. Que não tem mais bobo no futebol, já sabemos faz tempo. Que as seleções médias e algumas pequenas subiram de nível e alcançaram as grandes, isso é novidade.

Não há mais margem para negligência. Não é mais possível colocar uma seleção já não tão brilhante nas mãos de um técnico ultrapassado, sem curriculum, sem nada, como Gian Piero Ventura. O futebol de alto nível não perdoa mais.

Claro que há algumas seleções acima de outras, como o Brasil, a Alemanha, a França. São mais bem treinadas, tem mais poderio. Mas qualquer um pode ganhar de qualquer uma dessas em qualquer fase na Copa, até mesmo nas eliminatórias. Vamos lembrar que a mesma Alemanha que ganhou de 7 do Brasil alguns dias antes quase sucumbiu diante da Argélia.

O fato de a Copa do Mundo ter sido aumentada de 32 para 48 seleções, a partir de 2026, parece ser (e deve ser) uma medida politiqueira da Fifa, para agradar confederações marginais – sob o discurso de expandir o futebol.

Mas o real efeito desta Copa inchada será salvar a pele das seleções mais tradicionais.

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.