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Julio Gomes

Zé Ricardo jogou para a galera e será jogado aos leões

Julio Gomes

06/08/2017 12h54

Zé Ricardo mostrou, neste ano e pouco à frente do Flamengo, que é um bom técnico. Uma revelação do futebol brasileiro. Acredito que abriu mercado para si próprio e será sempre lembrado por clubes da Série A nos próximos anos.

Estou escrevendo com esse tom de despedida porque sabemos como a máquina gira no futebol brasileiro. E, por mais que o presidente do Flamengo esteja fazendo um louvável esforço para manter o treinador no cargo, será difícil segurar o rojão após a derrota deste domingo de manhã para o Vitória.

Zé Ricardo jogou para a galera. Abriu mão de um sistema mais equilibrado, sacou um volante (o criticadíssimo Márcio Araújo) e colocou todo mundo lá na frente: Geuvânio, Everton Ribeiro, Everton e Diego, com Vizeu à frente. Por trás, na contenção, somente Arão.

Foram dois jogos muito bem jogados contra Corinthians e Santos em São Paulo, em que o Flamengo poderia tranquilamente ter voltado para casa com seis pontos e moral elevado. Mas voltou com um, porque o futebol é assim, e pressionado no aeroporto. Uma pressão injusta. Porque, se os resultados não agradaram, o desempenho precisava ser reconhecido.

Depois destas duas boas partidas, o Flamengo teve uma apresentação pífia contra o Vitória. Não apenas pelo resultado adverso. Não foi uma derrota do tipo Grêmio e Avaí, em que goleiro faz milagres, bola não entra nem a pau, etc. Foi uma derrota de um time que criou pouco, se amontoou, ficou exposto e teve seus erros punidos com gols. Poderia até ter perdido por mais.

Zé Ricardo não aprendeu a lição que Rafael Benítez deixou para o mundo.

Benítez chegou ao Real Madrid no meio do ano retrasado, em 2015, substituindo Carlo Ancelotti. Resolveu montar um time mais equilibrado, mais preocupado com o sistema defensivo. Foi ele, afinal, que colocou Casemiro para jogar de titular. Mas o início de temporada 15/16 do Real não empolgou ninguém.

Benítez, criticado desde a contratação, não convencia. Então, no clássico contra o Barcelona, ele resolveu jogar para a torcida (e presidente). Abriu mão de suas convicções, colocou em campo um time super ofensivo. Levou 4 a 0. Ainda ficou um tempinho no cargo, morto-vivo, até ser demitido. Zidane entrou no lugar e foi bicampeão europeu.

Zé Ricardo deu, hoje, uma de Benítez. "Ah é? É esse o time que vocês querem? Então toma o time que vocês querem. Ah é? Querem que eu coloque o Berrío? Então pronto, tomem Berrío". Quis mostrar que está certo, apontando que os outros é que estão errados.

O cidadão jogou a toalha. Resolveu atender a pedidos da mídia e da torcida – sendo que mídia e torcida, quando se trata de Flamengo, costumam ser quase a mesma coisa. Não entro no mérito de quem está certo, quem está errado. Estou falando de outra coisa.

Um técnico sem convicções acaba perdendo o respeito de todos. Falta só agora atender o último pedido. Do "fora, Zé Ricardo". Parece apenas questão de tempo. Até porque convicção de dirigente é apenas sobreviver. Literalmente.

Pessoalmente, concordo com as críticas a Márcio Araújo, e acho que o técnico poderia ter testado mais alternativas por ali. Mas o grande erro de Zé Ricardo foi não ter utilizado Vinícius Jr com muito mais frequência. Veremos o que fará seu sucessor.

No ano passado, quando Muricy pediu o boné, o Flamengo fez proposta para Fernando Diniz – que não foi por acreditar na palavra no dono do Audax. Torço para que o Flamengo volte à carga. E tenha, com Diniz, a mesma paciência que teve com Zé Ricardo.

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.