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Julio Gomes

Neymar no Barcelona foi mico ou gênio?

Julio Gomes

03/08/2017 17h15

A imagem de Neymar na Catalunha será uma só: a de traidor. Como Figo. Na Espanha, eles usam o termo "pesetero", que remete à antiga moeda do país (as pesetas), com o mesmo sentido que usamos o termo "mercenário".

Acho pesetero mais simpático. Mostra melhor que o cara se importa mais com dinheiro do que outras coisas. Mas não acho, sinceramente, que Neymar deva ser julgado ou avaliado em função de suas escolhas financeiras.

Cada um é livre para fazer o que bem entender da vida. Se ele acha que o dinheiro é o mais importante, que seja assim. Desde que, logicamente, pague devidamente os impostos, o combinado com as partes envolvidas, etc.

Vamos focar nos quatro anos que Neymar passou em Barcelona. Como posicioná-lo na história do clube? Será que a passagem de Neymar foi mais um mico do que trouxe benefícios ao clube?

Primeiro, falando de história e dos brasileiros em Barcelona nesta era moderna no futebol (vou tirar Evaristo da equação).

Não é possível colocar Neymar no patamar atingido por Ronaldinho Gaúcho e Rivaldo. Sem chances. Não precisa nem ser aberta discussão aqui. Ambos ganharam Bola de Ouro no clube e deixaram marcas mais profundas.

Na história do clube, jogadores como Daniel Alves, Deco, Belletti e Edmilson também merecem mais homenagens do que Neymar.

Mas vamos nos limitar aos supercraques, aos jogadores protagonistas não apenas no clube, mas também na seleção brasileira. Será que há lugar para Neymar no pódio catalão?

Ronaldo e Romário tiveram passagens mais rápidas do que a dele pelo Barcelona.

Ronaldo até saiu de forma parecida. Jogou apenas um ano, arrebentou, apareceu para o mundo e, de alguma forma, não se sentiu valorizado na Catalunha. A Inter de Milão pagou a cláusula e levou o Fenômeno embora. De qualquer forma, Ronaldo não teve a carreira marcada por muitas glórias nos clubes por onde passou, a marca dele é a seleção.

Romário ficou um ano e meio. Suficiente para meter três gols em uma goleada sobre o Real Madrid, ser segundo colocado na Bola de Ouro de 93 e ganhar a mesma em 94. Fez parte do "Dream Team" de Cruyff, o maior time da história do Barça (até chegarem os anos da dupla Guardiola-Messi) e, em sua única temporada completa, meteu 30 gols em 33 jogos na Espanha e foi com o time até a final da Copa dos Campeões (derrota para o Milan).

Neymar não teve individualmente, no Barcelona, uma temporada tão fantástica com aquela 93/94 de Romário ou a 96/97 de Ronaldo.

Por outro lado, foi importantíssimo na conquista da Champions League 14/15, que foi a temporada da chegada de Suárez e a montagem do tal trio MSN.

Nos últimos dois anos, no entanto, ficou uma constante impressão de que Neymar era o menos importante dos três, ainda que fosse o principal beneficiado pela marcação sempre forte em Messi e Suárez (neste, por posicionamento, não por ser melhor ou pior que Neymar).

Sem Neymar, o Barça teria conquistado a Europa em 2015? Difícil dizer. O fato é que ele fez 7 dos 13 gols do Barcelona nos cinco jogos de quartas, semis e final contra, respectivamente, PSG, Bayern e Juventus. Foi uma temporada tão boa, aquela após a Copa do Mundo, que ele acabou em terceiro lugar na Bola de Ouro, atrás de já sabem quem.

Mas, sem Neymar, o que o Barça teria feito diferente nas últimas duas temporadas, em que ganhou um Espanhol, duas Copas do Rei e não passou nem perto da final da Champions? Possivelmente, os resultados teriam sido os mesmos.

Para não ser injusto, podemos dizer que o Barça caiu nas quartas da última Champions, e não nas oitavas, por causa daqueles 7 minutos magníficos de Neymar contra, adivinhem, o PSG. Aqueles minutos mágicos que resultaram nos 6 a 1 e que talvez tenham mostrado para Neymar mesmo e um punhado de outras pessoas que ele poderia e deveria ser o protagonista.

O fato é que a dupla Messi-Neymar nunca explodiu como se esperava. E Neymar não pode, de forma alguma, reclamar de qualquer espécie de boicote em campo. Messi e Suárez nunca deixaram de passar bolas e dar gols para Neymar.

Dos 105 gols marcados por Neymar em jogos oficiais, 12 foram de pênalti e 5 de falta. Dos 88 gols com bola rolando, em 49 deles Neymar precisou dar apenas UM toque para a bola entrar. Outros 30 foram no estilo domina e finaliza. E somente 9 vieram de jogadas totalmente individuais. Neymar recebeu de presente a esmagadora maioria de seus gols no Barça, praticamente três em cada quatro.

Isso não tira um centímetro de méritos. É apenas para constatar que não havia nada do tipo "não passavam a bola para ele".

Acredito que, no coração do torcedor do Barça, Romário fique à frente de Neymar. Mas, em termos de conquistas e impacto para o clube, Neymar foi mais importante. Ronaldo não fica à frente dos dois em nenhum dos critérios.

O debate em cima do título desta postagem se deve a todos os pepinos extra-campo que o Barcelona teve com Neymar.

A chegada do Santos, em uma transferência tão picareta que ainda está sendo revista e debatida nos tribunais espanhóis. Importante frisar que o Barça sempre posou de "bom moço", se contrapondo aos negócios "duvidosos" do Real Madrid. A compra de Neymar, os valores por baixo do pano, etc, arranharam a imagem do clube mundialmente.

E, agora, uma saída que deixa cicatrizes. Deixa o Barcelona com uma imagem de clube incapaz de segurar um de seus gênios, que simplesmente escolheu abandoná-lo.

Isso depois de ter, em quatro anos, ganhado mais dinheiro do clube do que Iniesta, por exemplo, ganhou a vida inteira.

Colocando o desgaste, o dinheiro, os títulos, os gols, a paixão, tudo isso na balança… será que valeu a pena?

Cada um terá uma resposta. Eu acho que Neymar foi um mico para o Barça fora de campo, tanto na chegada quanto na saída. Em campo, passou longe, muito longe, de ser um mico.  Mas não teve, na terceira e quarta temporadas, algo perto do impacto da segunda.

Pelo que joga, Neymar fez, com a camisa do Barça, menos do que podia. Ou será que fez exatamente o que podia?

Já veremos.

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.