Topo

Julio Gomes

Como a final de 98 mudou os destinos de Real Madrid e Juventus

Julio Gomes

29/05/2017 11h38

Na única vez em que se enfrentaram em uma final, 19 anos atrás, Juventus e Real Madrid viviam realidades muito distintas. E o resultado daquele jogo alterou o destino dos dois clubes.

Um, nunca mais venceu finais europeias e tenta quebrar um jejum de 21 anos. O outro, nunca mais perdeu finais europeias e virou o clube mais rico do planeta.

A Juventus era o principal time de um futebol italiano ainda muito forte, o mais poderoso da Europa nos anos 80 e 90. A Premier League ainda engatinhava e só tinha o Manchester United como força mundial (estava nascendo o Arsenal de Wenger e ainda não haviam chegado os russos e sheiks para comprar clubes). O Real Madrid vivia uma grave crise econômica.

A Juve de Marcelo Lippi havia quebrado o domínio do Milan e havia sido campeã da Itália três vezes em quatro anos. Chegava, em 1998, a sua terceira final europeia consecutiva – título em 96 contra o Ajax, derrota para o Dortmund em 97. Feito que igualava o do Milan (campeão em 94, vice em 93 e 95) e que não seria mais repetido na era moderna da Champions League.

Aliás, aquela Champions 97/98 foi a primeira a ter também a participação dos vice-campeões dos países mais importantes, e não só os campeões. Até 97, só participavam do principal torneio os campeões nacionais. Na era chamada de Copa dos Campeões da Europa, quando a competição era menos dura, outros times haviam chegado a três finais seguidas (Ajax e Bayern, tricampeões nos anos 70, o Benfica, nos anos 60, e o Real Madrid, que ganhou as cinco primeiras Copas, nos anos 50).

Hoje, alguns países têm até quatro participantes. De 20 anos para cá, desde o feito daquela Juventus, nunca mais um time chegou a três finais seguidas. Isso mostra o peso histórico daquele time.

A Juve, até 96, havia chegado a quatro finais europeias, com duas vitórias e duas derrotas. Eram os times de Platini e, depois, Del Piero. O problema é que as derrotas em 97 e 98 abriram o caminho para a criação da imagem de uma Juventus de sucesso em casa, mas pouco na Europa. Vieram as derrotas de 2003 e 2015, e agora já são quatro finais seguidas perdidas.

Na decisão deste sábado, a Juve luta contra o que virou um estigma. O clube que perde finais.

E o que virou o Real Madrid depois daquela decisão de 98? Justamente o contrário. O clube que não perde finais. Depois daquela decisão, o Real chegou a quatro e ganhou todas. Antes do triunfo de 98, vivia uma jejum de 32 anos sem o título europeu.

O Real Madrid era um clube atolado em dívidas quando, em 1997, conseguiu fazer seu primeiro negócio, digamos, polêmico, para dizer o mínimo, com o poder público da cidade. Depois vieram Florentino Pérez e outros e outros e outros negócios polêmicos – sempre envolvendo terrenos supervalorizados e permissões urbanísticas discutíveis. Sempre é bom lembrar que Pérez é um dos empreiteiros mais poderosos do país. Hoje, o Real é o clube mais rico do planeta.

Ficou mais fácil sair do atoleiro financeiro com aquele título de 1998.

O Real tinha um time que acabaria a Liga doméstica somente na quarta colocação. Jogou a final com Illgner; Panucci, Hierro, Sanchís e Roberto Carlos; Redondo, Seedorf e Karembeu; Raúl (Amavisca) Mijatovic (Suker) e Morientes (Jaime). O técnico era Jupp Heynckes, que recentemente se aposentou ganhando a tríplice coroa pelo Bayern (e que seria demitido do Real logo após ganhar a Champions).

Roberto Carlos estava em seu segundo ano no clube, já era titular absoluto da lateral esquerda do Real e da seleção brasileira. Sávio ficou no banco naquela final, era o outro brasileiro do grupo – Zé Roberto, contratado em 97 junto à Portuguesa, havia sido emprestado para o Flamengo e depois sairia para a Alemanha.

A Juventus não tinha brasileiros. Entrou na final com Peruzzi; Torricelli, Iuliano e Montero; Di Livio (Tacchinardi), Deschamps (Conte), Davids e Pessotto (Fonseca); Zidane; Del Piero e Inzaghi. Era um time melhor que o do Real Madrid e foi melhor que o adversário naquela final, mas não saiu com o resultado.

Inzaghi talvez tenha sido o grande vilão, pelas chances perdidas no segundo tempo. Zidane e Del Piero não conseguiram ser decisivos, e Davids teve uma grande chance para empatar no segundo tempo. Apesar de serem os anos iniciais da vitoriosa "era Raúl" no Real Madrid, o grande herói acabou sendo Predrag Mijatovic.

Um montenegrino de 29 anos que era titular de uma ainda poderosa seleção da extinta Iugoslávia. Em 97, ele já havia ficado em segundo lugar na eleição da Bola de Ouro, atrás apenas de Ronaldo, à frente de Zidane. Sairia do clube um ano depois e voltaria para ser diretor de futebol durante três anos (2006 a 2009), justamente no intervalo entre as presidências de Florentino Pérez.

Mijatovic não tem, em Madri, o tamanho que aquele gol representou para o clube.

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.