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Julio Gomes

Neymar e Barcelona sobem a novo patamar após virada histórica

Julio Gomes

11/03/2017 07h00

O Barcelona virou um clube multicampeão nos últimos 14 anos. Antes, era uma força local. Depois da chegada de Cruyff, no banco e no campo, e contratações de impacto, um antagonista de verdade surgiu ao Real Madrid.

Em 20 temporadas, o Real ganhou cinco Champions, o Barça, quatro. O Real ganhou cinco Ligas espanholas, o Barça ganhou o dobro. Em Copas do Rei, cinco a dois para o Barça. Em Mundiais/Intercontinentais, quatro a três para o Real.

Mas faltava uma coisa ao Barcelona nesses anos todos: uma "remontada". Adoro a palavra. É como eles se referem, na Espanha, a uma grande virada.

Nos dias anteriores aos 6 a 1 do Barcelona sobre o PSG, vários ex-madridistas diziam que "remontar" era coisa do Real. Os gols no fim, viradas impossíveis, o "hasta el final" do cântico que ecoa no Bernabéu. Remontar é uma marca registrada do Madrid.

Mas, a partir de agora, não mais exclusiva. Faltava uma virada como essa nestes anos de sucesso do Barça. A maior havia ocorrido em 2013, na Champions – derrota por 2 a 0 para o Milan na Itália, vitória por 4 a 0 no Camp Nou. Convenhamos, não chegou nem perto da histórica contra o PSG. O torcedor culé já pode bater no peito, o Barça também tem a coragem necessária para concluir missões impossíveis.

Além do Barcelona, Neymar também mudou de patamar.

Finalmente, o papo tão falado há anos, de ser um candidato a melhor do mundo, ganhou corpo e a semente começou a se espalhar pelo planeta. Neymar oficializou seu posto de próximo jogador dominante, quando acabar a hegemonia de Messi e Cristiano Ronaldo. É o herdeiro.

Neymar foi o grande beneficiado pela mudança tática promovida por Luís Enrique após os 4 a 0 de Paris. Com Rafinha aberto pela direita neste 3-3-3-1, Messi flutua para o meio e atrai marcadores, além de estar mais próximo para se associar com Neymar. As dobras não ocorrem mais 100% das vezes quando Neymar recebe pela esquerda.

Por isso, e também por viver boa fase técnica (após, vamos lembrar, ele quebrar em janeiro um jejum de três meses sem gols pelo Barça), Neymar já havia sido destaque nas goleadas sobre Gijón e Celta, pelo Espanhol.

Ele passou a ter à disposição situações de um contra um e, assim, infernizou o lateral Meunier no jogo de volta com o PSG. Como o Barça espalhou o campo e acrescentou um homem no meio, os volantes parisienses não conseguiram ajudar muito a neutralizar Neymar.

Agora. Sejamos sinceros. Se o jogo tivesse acabado, digamos, 3 a 1. Estaríamos falando tanto de Neymar?

Não, não estaríamos. Não foi, até os 44min do segundo tempo, um jogo inesquecível dele. Não havia feito gols ou passes de gols, ameaçado Trapp, nada disso. Percebia-se que estava a fim de jogo. E havia tentado cavar dois pênaltis para cima de Meunier – um deles com sucesso. Dois minutos após o gol de Cavani, no momento de frustração e com a eliminatória com pinta de acabada, Neymar ainda deu um chute por trás, sem bola, em Marquinhos.

O árbitro mostrou amarelo, mas podia ter sido vermelho. O que estaríamos falando de Neymar se o juiz tivesse mostrado o vermelho pela agressão? Estava longe de ser o melhor jogo de sua carreira, como ele decretaria ao final da virada épica.

Aí, claro, a partir da falta sofrida e convertida de forma genial por Neymar mesmo, tudo mudou. Pegou a bola e chamou a responsabilidade ao bater o pênalti do quinto gol. E teve a frieza para picar a bola na área e dar o passe a Sergi Roberto para o sexto.

Neymar carregou o Barça não só à maior virada da história do futebol europeu, mas também à maior vitória do Barcelona em 10 anos sem participação fundamental de Messi. E esse simbolismo é muito relevante. Quando o bastão for definitivamente passado – e será -, lembraremos deste jogo como o marco zero.

Foram exatos 9 minutos entre a falta do quarto gol e o toque para a glória do sexto.

Em 9 minutos, Neymar ganhou, no mundo inteiro, o status que tanta gente já dava a ele aqui no Brasil. É na bola, e não no grito, que essas coisas acontecem. Não adianta falar tanto em prêmios. Tem que mostrar. E Neymar mostrou.

Talvez ele esteja exagerando ao considerar o "melhor" jogo de sua vida. Mas, certamente, foi o "maior" jogo de sua vida. O jogo que eleva seu nome a outra dimensão. A uma prateleira em que muita gente no Brasil achava que ele já estava. Mas não, não estava.

Em três anos e meio de Europa, o futebol de Neymar está evoluindo muito e ajuda o fato de, na seleção brasileira, deixar de ter a responsabilidade de resolver tudo sozinho – que lhe era injustamente imputada ou erroneamente assumida por ele ou as duas coisas juntas.

O futebol brasileiro é calcado no individualismo, e basta ouvir Neymar pai falar por 5 minutos para perceber como esta foi a educação futebolística dada ao filho. No futebol europeu e com Tite, Neymar vai se transformando em um jogador mais solidário. Não à toa, o número de assistências foi aumentando ano após ano. A tomada de decisões correta e que leva em conta o melhor para o time.

Neymar é nitidamente um profissional dedicado e de QI futebolístico elevado. É inteligente e obediente taticamente. Não é desagregador no vestiário, parece tratar seus colegas de profissão com afeto, sem esnobar. No campo, acredito que a tendência seja jogar cada vez mais com liberdade e perto do gol. Seu grande forte, eu sempre disse, não é driblar. É finalizar. Faz gols de todos os jeitos, como poucos no mundo.

Para mim, somente dois problemas de atitude persistem.

Dentro de campo, Neymar irrita seus adversários por se jogar muito e tentar ludibriar constantemente os árbitros e por sua atitude de deboche em muitos momentos. Neymar humilha, não só com dribles, mas com falas e gestos. Por isso, apanha muito mais do que outros craques. Ninguém gosta de se sentir humilhado. Isso só lhe fará mal. E árbitros marcam jogadores como ele e deixam de marcar faltas "verdadeiras".

Neymar (e outros) falam que gostam de críticas construtivas, e não destrutivas. No meu ponto de vista, ele (e outros) se irritam com qualquer tipo de crítica. E isso gera o segundo problema que persiste. Querer o tempo todo responder a todo mundo. É o pedir silêncio nas redes sociais, é a greve com a imprensa que cobre a seleção brasileira, é a resposta a Rabiot.

Não sei se é dele ou se é a pilha de seu entorno. Mas é incrível como Neymar parece se importar demais. Mania de perseguição.

Ele é uma figura pública, um famoso. Jogadores de futebol são celebridades. As pessoas têm direito de criticar a transação picareta, fraudulenta e secreta do Santos ao Barcelona. Alguns vão gostar do apoio a Aécio Neves na campanha eleitoral, outros vão criticar. Alguns vão gostar da tatuagem X, outros não. Alguns vão achar a amizade com Hamilton e Thiaguinho o máximo, outros vão achar motivo para piada. Alguns vão amar o namoro com Marquezine, outros vão invejar.

Me parece um desgaste tremendo se importar com tanta gente, ainda mais na era das redes sociais.

E parece um despropósito colocar nessa mesma caixinha, que ele considera a "de invejosos que querem vê-lo fracassar", jornalistas que criticam este ou aquele elemento de seu jogo.

Minha crítica, Neymar e fãs, não é nem construtiva nem destrutiva. Ela não tem a pretensão de querer fazer mudar algo na sua vida, "construir" um jeito novo de ser ou jogar bola. E muito menos, mas muuuuito menos, o objetivo de "destruir" algo. No caso, imagino, destruir sua imagem.

Minha crítica é apenas uma crítica de quem vive do e para o futebol. Mais do que crítica, são observações, análises, com o simples objetivo de compartilhar conhecimento e informar quem lê o tanto de linhas que eu escrevo.

Raros, raríssimos, foram os craques perfeitos. Eu, na vida, só vi Messi mesmo. Todos têm um defeitinho aqui ou ali, dentro ou fora de campo.

Considero Neymar um craque, um verdadeiro gênio. Depois de Pelé e companhia, Zico e companhia, Romário e companhia, Ronaldo e companhia, Ronaldinho, Kaká, hoje vivemos os tempos de Neymar e companhia. Já é um dos grandes jogadores brasileiros da história. Logo logo só estará atrás de Pelé na artilharia da seleção.

E, agora, depois de 9 minutos como estes da quarta-feira, começa a se transformar também em um dos craques mundiais. Conhecido e admirado não só por quem já acompanha futebol, mas também por aquelas pessoas que veem o esporte esporadicamente. Este é o efeito de Copas do Mundo e jogos grandiosos de Champions League, como este.

São os grandes acontecimentos de audiência global que criam uma imagem (para bem ou para mal) que depois é difícil de mudar.

Não são críticas ou elogios, e muito menos a resposta a eles, que construirão a imagem de Neymar no mundo. São os 9 minutos.

Neymar saltou para um seleto grupo em que muitos achavam que ele já estava. Mas que só adentrou agora.

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.