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Julio Gomes

Chapecoense não é só vítima. Olho aberto para o futuro das famílias

Julio Gomes

18/01/2017 15h25

Esta é a primeira vez que escrevo algo sobre a tragédia absurda que matou tanta gente em Medellín. Jogadores, dirigentes, jornalistas. Um crime, uma tragédia para lá de evitável.

Desde o primeiro momento, me incomodou um pouco como a Chapecoense passou a ser tratada como única – ou maior – vítima. Nos estádios mundo afora, vimos luto, #forçaChape, cânticos de homenagem.

Mas e as famílias?

Esta reportagem (mais uma da ótima Luiza Oliveira) mostra que algumas mulheres de jogadores que morreram na queda do avião da LaMia reclamam de abandono e cobram apoio financeiro.

Acredito que seja um pouco cedo para tratar a Chapecoense como vilã. É um clube destruído, que perdeu todo o seu corpo diretivo e é preciso de tempo para reconstruir a estrutura de gestão e tomada de decisões.

Mas pergunto novamente. E as famílias?

A Chapecoense, assim como as empresas de mídia que tinham profissionais no voo, não vai morrer. Ela é uma instituição, não uma pessoa. Aliás, no longo prazo, com a atenção nacional e internacional recebidas, a Chapecoense deve até ganhar um tamanho maior do que tinha.

Mas e as famílias?

Havia jogadores e pessoas ali que tinham uma carreira longa no futebol, suficiente para fazer o tal pé de meia. Mas havia também gente sem um grande contrato na profissão.

Qual o tamanho da indenização que as famílias deveriam receber? Vamos lembrar que estamos falando de famílias (a maioria) absolutamente dependentes dos jogadores que morreram. Algumas com dívidas feitas em função do que se esperava receber. E os profissionais do futebol menos "midiáticos"? Preparadores físicos, fisiologistas, diretores da Chape que estavam no voo e que não são o presidente ou alguém tão importante assim…

Com o seguro do clube mais o da CBF, foram pagos para as famílias dos jogadores 40 salários. O equivalente a três anos e pouco com contratos no mesmo valor. Mas aí já surge a primeira crítica. Salários CLT. Não deveria ser pago o salário integral, considerando também direito de imagem? Todos sabemos que no futebol os salários sob CLT ficam BASTANTE abaixo dos salários acordados entre clubes, empresários e atletas.

Aparentemente, as famílias dos jogadores não reclamam das indenizações, mas cobram o pagamento da premiação pelo título da Sul-Americana e o dinheiro de jogos beneficentes. Isso deverá ser resolvido em uma reunião nos próximos dias (esperamos).

Funcionários do departamento de futebol, comissão técnica e diretoria teriam recebido uma indenização de R$ 40 a 54 mil do clube – e zero da CBF. Me parece uma quantidade irrisória para o tamanho da perda, famílias que precisarão se reconstruir. Vamos lembrar que nem todos ali (quase ninguém) tinha construído uma carreira como a do técnico Caio Júnior.

Não seria justo que a Chapecoense arcasse com 40 salários destas pessoas também?

Ainda temos a questão da LaMia.

Aliás, por que mesmo a Chapecoense escolheu fazer um voo bizarro, saindo da Bolívia, com uma empresa picareta e nebulosa, em vez de pegar um voo de carreira até Bogotá e depois Medellín?

Especialistas dizem que dificilmente algo será pago por alguma seguradora. Funcionários da LaMia morreram no acidente e a conclusão das investigações foi de queda em razão de pane seca. Seguradoras não cobrem acidentes causados pela irresponsabilidade de seres humanos gananciosos.

No meu ponto de vista, qualquer que seja a indenização que deveria ser paga pela cia aérea às vítimas, a Chapecoense deve assumir esse custo junto às famílias de seus funcionários. E depois, em um segundo momento, com a força de uma instituição e o apoio que recebe do mundo inteiro, ir atrás de ressarcimento. Que a bilionária Fifa ajude! O que não pode é deixar as famílias anos e anos sem ver a cor desse dinheiro.

Quero colocar aqui um comentário que encontrei na postagem do UOL Esporte no Facebook sobre o tema.

"Mt gente ignorante,se o clube for pagar o que estao pedindo essas encostadas ai o clube vai acabar de falir de vez e se for o caso so declararem falencia e nao da nada pra essas vagabundas..vao caçar um serviço ate la cambadaa,uma faxina,um mercado pra trabalhar criar os filhos,ou dao o golpe en outro jogador otario ai.."

Esse comentário nos mostra várias coisas. O nível atual de muita gente com quem "convivemos" em sociedade, com o machismo arraigado até a tampa.

Mostra também com o clube é visto como a maior das vítimas. Muita gente tem tanta pena da Chapecoense que a considera vítima até mesmo no momento de indenizar as pessoas que morreram. Pessoas. PES-SO-AS.

A Chape é uma exemplo. Antes todos os clubes fossem como ela. Já na Copinha SP Júnior percebemos como todos querem o bem do clube. Será assim no Brasileiro, com simpatia e apoio em todos os estádios. Eu torcerei pela Chape para sempre. Muitos farão o mesmo.

Mas ela não é apenas vítima. Ela escolheu a LaMia. Precisa mostrar uma grandeza ainda maior do que já mostrou em relação a suas vítimas integrais. Não foram elas que escolheram entrar naquele avião. E são elas que perderam o arrimo familiar.

chape_familias

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.