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Julio Gomes

Rosberg e o título de quem não topou ser apenas um escudeiro

Julio Gomes

27/11/2016 13h14

Quando, de repente, a Mercedes se viu como o melhor carro da F-1 (disparado), todos pensaram que começava ali a "era Lewis Hamilton". Um pilotaço, já campeão em 2008, e com um companheiro de equipe com toda a pinta de ser o futuro-escudeiro-número-dois-que-não-incomodaria.

No primeiro ano, Hamilton ganhou 11 corridas contra 5 de Rosberg. Levou o campeonato com 67 pontos de vantagem. No segundo ano, domínio parecido. Hamilton ganhou 10 corridas contra 6 de Rosberg – sendo que o alemão venceu as últimas três, com o campeonato já decidido. A vantagem foi de 59 pontos.

Mas Rosberg não aceitou. Se recusou a aceitar. No fim do ano passado, com as três vitórias acima citadas para encerrar o campeonato, já se preparava para mostrar que não estava disposto a se resignar com algumas vitórias, algumas disputas, alguns vices.

No Brasil, vimos os tais "escudeiros" com olhos diferentes. Gerhard Berger era louvado, pois não enchia a paciência de Ayrton Senna. Mas Rubens Barrichello e Felipe Massa foram desprezados por não terem acompanhado (e muitas vezes terem trabalhado para) Michael Schumacher e Fernando Alonso na Ferrari. A história teve também Riccardo Patrese, o número dois de Nigel Mansell. Mark Webber, o número dois de Sebastian Vettel.

Rosberg se recusou a ser como esses caras. Caras que, não tenho dúvidas, nunca quiseram ser apenas escudeiros. Nunca quiseram ser o segundo melhor. Mas não conseguiram mudar essa história e, em algum momento, sucumbiram à situação.

Rosberg não sucumbiu.

ABU DHABI, UNITED ARAB EMIRATES - NOVEMBER 27: Nico Rosberg of Germany and Mercedes GP celebrates after finishing second and winning the World Drivers Championship during the Abu Dhabi Formula One Grand Prix at Yas Marina Circuit on November 27, 2016 in Abu Dhabi, United Arab Emirates. (Photo by Clive Mason/Getty Images)

Começou o ano ganhando quatro corridas seguidas. E depois, quando ganhou apenas uma de oito, vendo Hamilton ganhar seis corridas e tomar a liderança do Mundial, tinha tudo para desmoronar. Resignar-se. Mas não. Simplesmente não.

Rosberg passou as férias do verão europeu ouvindo que "nunca seria". Mas mostrou uma força psicológica que poucos tiveram na história de um esporte como a F-1. Ganhou quatro das cinco corridas pós-férias, retomou a liderança e se colocou em posição de apenas administrar a liderança nas quatro corridas finais.

Nos Emirados Árabes Unidos, na última corrida, viu Hamilton adotar uma honesta estratégia de ser lento. Deixar as Ferraris e Red Bulls terem a chance de tirar Rosberg do pódio. Não jogou o carro para cima de ninguém, não freou forçando acidente, não colocou a vida de ninguém em risco. A Mercedes não gostou, Rosberg não gostou, mas não vejo como Hamilton possa ser criticado. Perdeu de pé. E ainda pode se gabar de ter vencido mais corridas no ano.

Rosberg teve muita coragem de fazer uma ultrapassagem de alto risco contra o jovem e arrojado Max Verstappen. Segurou Vettel nas voltas finais. Fez uma corridaça, em função da estratégia de Hamilton.

E conquistou o título. Título que também conquistaram outros pilotos que não ficarão para a história com um dos dez melhores de todos os tempos, gente como Jenson Button, Damon Hill, Jacques Villeneuve. Título "solto" que poderia ter caído para o lado de Massa ou Barrichello, mas não caiu. Paciência.

Não sei se Rosberg se aposentará "somente" com esse título, pois a F-1 deve mudar no ano que vem e o domínio da Mercedes não será tão brutal como nestas três temporadas. Mas o fato é que, ao contrário de outros, ele se recusou a ser um número dois. E conseguiu! Palmas para Rosberguinho.

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.