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Julio Gomes

Brasil mostrou a sua cara. Agora falta esporte virar questão de Estado

Julio Gomes

21/08/2016 09h07

O Brasil mostrou a sua cara para o mundo ao longo de duas semanas. Mais até do que na Copa, dois anos atrás.

A Copa, além de espalhada, recebe gente muito mais preocupada com sua seleção ganhar ou perder do que se a sede dos jogos é brilhantemente planejada e organizada. Os jogos em si, cada jogo, têm um peso muito grande no noticiário.

Na Olimpíada, é diferente. As competições são simultâneas, o interesse é difuso, olha-se muito para a sede. E o Rio é, a meu ver, o melhor exemplo de microcosmo brasileiro que temos. A mescla total, riqueza e pobreza, sujeira e beleza, o jeito de ser do brasileiro em cada esquina.

Mostramos o que somos. Quentes na hora de torcer pelos nossos, às vezes passando dos limites, mas certamente empurrando como poucos povos fazem. Calorosos para receber o estrangeiro, mas implacáveis com eles, dependendo do que eles nos digam e façam. Conseguimos fazer coisas funcionarem, mas somos péssimos em planejar e fazer com que elas funcionem sem sustos, atrasos ou parênteses. A vida na corda bamba.

Somos um povo habituado a conviver com a violência, com acidentes, com a mentira e com o colarinho branco. E tudo isso vimos na Olimpíada. Ciclistas sendo atropelados, roubos na Vila Olímpica, aqui e ali, máfia de ingressos e até uma rara investigação policial para provar que o americano bonitão estava mentindo. Vimos também, e não demos muita bola para isso, que seguranças particulares apontaram armas para nadadores embriagados e baderneiros. O exagero nosso de cada dia.

Somos também, além de tudo isso, apaixonados por competição. Por ganhar e perder.

Cultura esportiva é algo que pouquíssimos países têm. Gostar do esporte, independente de seu time ou país estar competindo. Independente de ganhar ou perder.

Vimos muitas arenas vazias. Os preços não eram baixíssimos. Mas tampouco altíssimos. Há gente suficiente no país para lotar ginásios. Vir para o Rio era impossível? Sim, quase. Mas arrisco dizer que há gente suficiente no Rio para lotar ginásios. E, se não há, era fácil para o poder público coordenar que pessoas que nunca mais terão essa oportunidade tivessem ganhado ingressos para o Parque Olímpico.

Me parece que o problema vai além dos preços. É, como eu disse, gostar de esportes.

Como gostar do que não se conhece? A mídia, especialmente a mídia de massa, TVs abertas, é diretamente responsável por esse desprezo do país por esportes. Só se passa futebol e qualquer esporte aleatório em que haja brasileiro ganhando ou perdendo. O vôlei, para estar na TV, precisou virar o esporte em que o país é um fenômeno.

De qualquer forma, por mais que tenha culpa no cartório, não é da televisão a missão de fomentar o esporte no país.

Isso é missão de governos. É, ou deveria ser, questão de Estado.

Estamos em uma época em que pessoas caem em um conto besta como a economia de contas públicas com cortes de ministérios. Como se fossem eles, os ministérios, e não a evasão fiscal, equívocos de direção, a sonegação, os responsáveis maiores pelo rombo.

Então ouvimos tranquilos quando o governo interino decide acabar com o Ministério do Esporte. Que vai ser juntado com turismo. Sabem o que esporte e turismo tem a ver? Somente uma coisa: ambos poderiam ser a salvação do Brasil. Mas são desprezados, descuidados, largados à própria sorte.

Se fosse para juntar esporte com alguma outra pasta, esta deveria ser a educação.

Não há forma melhor de inserir uma pessoa na sociedade. De "forçar" uma criança a frequentar escola. De ensinar sobre o corpo, ganhar, perder, respeito ao próximo. Rafaela Silva e Isaquias Queiroz, meus medalhistas favoritos da Rio-2016, são provas vivas da diferença que o esporte pode fazer na vida de uma pessoa.

A educação pública brasileira é ruim, todos sabem. Entre os tantos passos que precisam ser dados, um deles é a inserção do esporte como coluna vertebral de todo o processo.

Não para ganhar medalhas! Isso tem que ser apenas consequência.

No futebol, já estamos habituados a ver dirigentes corruptos, irresponsáveis, mas que são idolatrados por alguns – ou até por muitos – dependendo do resultado que "obtiveram" para os clubes. E até para a seleção.

Não podemos cair no mesmo conto em relação aos esportes olímpicos. Foi colocado em prática um modelo para fingir que o Brasil é potência olímpica. Uma potência olímpica não é forjada no alto rendimento. É forjada na base.

É claro que é necessário ter investimento no esporte de alto rendimento. Mas o dinheiro público, incluindo o arrecadado pelo Comitê Olímpico Brasileiro via loterias, tem que ir prioritariamente para a base. O dinheiro deveria ser usado para inserir o esporte nas camadas inferiores, como alicerce da educação.

A partir daí, se pinçarmos talentos e conseguirmos criar centros para lapidá-los e, depois, ganharem medalhas… que bacana! Mas isso é o fim, não pode ser um meio.

O Brasil bateu seu recorde de medalhas de ouro no Rio e também o total de medalhas. Mas por uma margem bem curta. A notícia é boa. Imaginem as groselhas que não estaríamos ouvindo dos chupins do esporte, tivesse o Brasil acabado no top 10 do quadro de medalhas. É melhor que seja como foi.

O fato de 12 modalidades diferentes terem recebido medalhas é muito bacana. Mostra diversidade.

Investimento público forte e consistente no esporte de base é o que cria cultura esportiva. É o ponto inicial para termos um ciclo virtuoso: pessoas que pratiquem diversos esportes, campeonatos, consequentemente interesse, criação de ídolos, mídia, patrocínios e investimento da iniciativa privada quando chegamos ao alto rendimento, o topo da pirâmide.

Diga não ao fim do Ministério do Esporte. Diga não a colocá-lo nas mãos de parceiros políticos aleatórios. Diga sim ao esporte como centro de uma política educacional consistente. Diga sim ao investimento em centros esportivos espalhados pelo país.

De uma vez por todas, o esporte precisa virar questão de Estado.

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Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.