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Julio Gomes

Ganso cai no lugar ideal. Agora saberemos o real tamanho dele

Julio Gomes

17/07/2016 01h34

Paulo Henrique Ganso sempre me pareceu um jogador fora de seu tempo.

Seria craque anos atrás. Porque tem talento, tem passe, tem aquela jogada tirada da cartola, consegue pensar fora da caixa. Tem, como muitos técnicos gostam de dizer, "inteligência futebolística".

Mas o futebol mudou. Jogadores como Ganso são raros, porque os defeitos de seu jogo comprometem as virtudes. Os que passam bem e dão fluência ao jogo hoje atuam mais atrás, como volantes ou até zagueiros. Mas cumprem funções defensivas que Ganso não cumpre. Os que, além do passe, tem o instinto matador, se transformam em meia-atacantes ou até atacantes. Ganso não faz tantos gols.

Ganso seria um número 10 das antigas. Mas hoje o número 10 praticamente não existe mais. Existem 5s, 8s e 11s. Ficou em um limbo que me impede de considerá-lo um craque.

As lesões tampouco ajudaram. Nem as negociações e exigências em excesso nos tempos de Santos, em que ele (além de tanta gente) realmente se achava tão ou mais importante que Neymar.

Mas o fato é que a carreira de Ganso foi ficando pelo caminho. Em vez de ir do Santos para um, digamos, Real Madrid, o máximo que deu foi para o São Paulo mesmo. Teve seus momentos. Mas nada do que se projetava seis anos atrás.

As portas da seleção brasileira pareciam fechadas para Ganso. Ele até esteve na Copa América após tantas lesões, mas não parece ser nada mais que um repique. Sem seleção e sem dinamismo, a consequência eram portas fechadas também no grande nível europeu.

Claro que dava para imaginar Ganso em uma Ucrânia da vida. Uma Turquia, até. Sem falar no "mundo chinês", "mundo árabe". Mas não em um clube importante de alguma das quatro grandes ligas domésticas. E nem as secundárias.

De repente, Ganso vai para o Sevilla. Atual tricampeão da Liga Europa. Um clube capaz de incomodar os grandes na Espanha. Um frequente nas ligas continentais. Clube importante, de torcida, de mídia. Um raro médio-médio. Médio em seu país, médio na Europa.

E mais. Para um Sevilla começando um projeto muito promissor, com o ótimo Jorge Sampaoli no comando. Ganso chega como um pedido do novo chefe. E que chefe! Um técnico campeão da América com o Chile. Que por onde passou implementou bom futebol, de posse e passe, com técnica e qualidade como condições essenciais de jogo.

Para mim, o argentino poderia tranquilamente ser técnico de uma seleção de peso. A brasileira ou a espanhola, por exemplo. Mas resolveu tentar a sorte na Europa. E está fadado ao sucesso, pois é muito bom no que faz.

É verdade que Sampaoli gosta também de dinamismo e intensidade. E é aqui a grande interrogação sobre o que Paulo Henrique consegue entregar.

O futebol na Espanha é incomparavelmente mais veloz e intenso que no Brasil. Mas bem menos que na Inglaterra ou Alemanha. É uma liga, a espanhola, que privilegia o talento, a ofensividade.

Além disso, Sevilha é uma cidade quente e acolhedora. Que gosta de brasileiros, até porque nos últimos anos muitos passaram por lá e só deixaram boas lembranças (Daniel Alves, Renato, Júlio Baptista, Ricardo Oliveira, Marcos Assunção, Edu, etc, etc, etc).

Time bom. Técnico ótimo. Cidade maravilhosa. Salário para lá de decente. Liga boa para se adaptar e de alta competitividade.

O que mais Ganso poderia pedir?

Muito se falou, muito falei, que Ganso era um bom jogador mas que, por características, não havia lugar na Europa para ele com o futebol jogado hoje em dia. O cara ainda tem 26 anos. E tem cabeça, além de talento. É claro que dá. Adoraria queimar a língua.

Agora veremos o verdadeiro tamanho de Ganso. Ou triunfa ou volta reclamando da sorte. Só depende dele.

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Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.