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Julio Gomes

Pepe: melhor jogador da Euro é bom exemplo da soberba nacional

Julio Gomes

12/07/2016 14h58

Já começo esse post admitindo. Não gosto muito do Pepe. Participei de um bom número de zonas mistas e coletivas com ele, nunca pareceu um cara agradável. Sempre muito reativo quando o assunto era Brasil.

Mas o que isso interessa, Julio? Interessa, porque acredito que os gostos pessoais, ser amigo (ou não) de jogador de futebol, fatores assim devem ser deixados de lado quando analisamos o jogo do cidadão.

E para analisar Pepe é necessário deixar de lado alguns preconceitos e até mesmo pós-conceitos formados por lances para lá de isolados.

Képler Laveran Lima Ferreira é o nome do gajo. Barrabás. Ainda bem que virou Pepe. 33 anos de idade. Nasceu em Maceió. Jogou no Corinthians alagoano por seis anos na base. Aos 18, foi parar no Marítimo. Aos 21, já estava no Porto. Aos 24, foi vendido ao Real Madrid por 30 milhões de euros. Já está há nove anos, grande parte deles como titular absoluto, no clube mais vitorioso do mundo, o Real Madrid.

Ganhou ligas em Portugal, Espanha, Mundiais, Champions. Tudo.

pepe_euro

Pepe foi o melhor jogador da Eurocopa 2016, no meu ponto de vista. A Uefa elegeu o luso-brasileiro melhor jogador da final e colocou Pepe no "time ideal" do torneio. Para mim, foi o melhor de todos.

Portugal fez uma campanha muito mais baseada na solidez defensiva do que no ataque, como ocorrera em outros tempos. E Pepe foi o grande capitão deste sistema. Na final, sem Cristiano Ronaldo, isso ficou ainda mais evidente. Não passa uma bola pelo cara. E não é só de bicão pro mato que ele vive. Não é exatamente um Mascherano, mas tem ótima saída de bola.

No Brasil, foi criada uma imagem de que Pepe é um zagueiro tosco e violento. Sim, em 2009, Pepe deu uma de maluco completo ao agredir Casquero, do Getafe, no chão. Perdeu completamente a cabeça. Em 2011, deu uma entrada dura em Daniel Alves que lhe rendeu cartão vermelho e ajudou o Barcelona a eliminar o Real Madrid na semi da Champions. Justo ou injusto aquele cartão? Ouviremos opiniões diferentes até hoje sobre o lance.

Mas é justo estamparmos na testa de Pepe o rótulo de "violento" por causa de lances assim? Será que não é a própria soberba nacional que gera esse tipo de crítica que não cessa? Precisamos massacrá-lo, assim não precisamos pensar por que perdemos esse tipo de jogador.

Se olharmos a carreira toda, os lances de violência me parecem mais exceções do que regra. Outros adjetivos deveriam vir na frente: rápido e preciso, por exemplo.

Ouço constantes piadinhas até de narradores que respeito muito sobre Pepe. Não vai jogar a semifinal contra Gales? Opa, pelo menos Portugal não terá um expulso.

Mas onde estão os dados? Já notaram que Pepe quase nunca é expulso? Aliás, é raro até mesmo tomar amarelo!

Nas últimas quatro temporadas, ele não foi expulso uma vez sequer na liga espanhola. A última vez que ele viu um cartão vermelho com a camisa do Real Madrid foi em dezembro de 2011. Na temporada passada, levou cinco cartões amarelos (Piqué, por exemplo, levou 11).

Pepe é muito rápido para a posição. É alto, como todo zagueiro deve ser, e tem incrível senso de colocação. Na bola parada, é uma ameaça quando vai ao ataque e uma segurança dentro da própria área. Com o tamanho todo que tem, é raro ver um zagueiro não perder na corrida para alguns dos melhores atacantes do mundo.

O cara está jogando no mais alto nível europeu, contra os melhores, há mais de 10 anos.

Pepe é mais um exemplo do fracasso retumbante do futebol brasileiro com sua base. Agora está começaaaaaando a melhorar. Mas por muitos anos não tivemos olheiros, scout, gente espalhada pelos quatro campos do país para observar, garimpar e trazer para os grandes centros.

Quem faz isso? CBF? Não. Clubes? Não. Quem faz isso são os empresários. E é assim que Pepe vai parar em Portugal aos 18 anos de idade. Como Deco foi também. Portugal herdou, de presente, um dos melhores zagueiros e um dos melhores meias nascidos no Brasil nos últimos anos.

Porque aqui temos essa imagem de "tem tanto cara bom" que tudo bem se um ou outro passar batido pelo radar. Bem, o próprio Parreira falou isso quando Scolari convocou Deco para a seleção portuguesa. Depois, menos mal, pediu desculpas pela besteira.

Pepe nunca gostou de falar do Brasil porque simplesmente considera que foi desprezado pelo Brasil. E ele tem razão! (só não temos TODOS os brasileiros culpa no cartório, né, sr Képler). Ele se considera português de verdade, considera Portugal o país que o acolheu e deu as chances que merecia. Não dá para criticá-lo.

Imaginem uma dupla de zaga com Pepe e Thiago Silva?

Uma dupla que poderia estará há 10 anos jogando todas as partidas com a camisa da seleção brasileira. Claro, para isso teríamos de mudar também outro mau costume: penalizar jogadores por erros pontuais. Foi mal nesse jogo? Tchau. Temos essa imagem tosca de "o melhor tem que jogar", sendo que o mais importante no futebol, ainda mais na defesa, é o entrosamento, posicionamento, as trocas em campo, os gritos, colocar o adversário em impedimento, etc.

Pepe é muito mais rápido e preciso do que violento.

Pepe faz muita falta na defesa da seleção.

Pepe é mais um exemplo de desperdício.

Pepe é o melhor zagueiro do mundo em 2016.

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.