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Julio Gomes

Tite é muito melhor que Dunga. Mas os problemas do Brasil são mais graves

Julio Gomes

14/06/2016 16h10

O Brasil sempre teve administrações nefastas e corruptas no futebol. E sempre ganhou. Portanto, não é a gestão que resolve as coisas. São os jogadores dentro de campo.

Esta não é uma mentira completa. Mas, tampouco, uma verdade.

A gestão do futebol brasileiro nunca teve o planejamento e o futuro como prioridades. Mas muitas vezes acertou no presente. Foi escolhido o melhor técnico para o momento, o melhor plano de viagens, o melhor local para treinar, foi estabelecida uma relação aceitável com a imprensa, foram convocados os jogadores ideais.

Os anos Ricardo Teixeira mostram bem isso. Quer queira quer não, havia uma certa estabilidade para a comissão técnica. Havia bons jogadores. Resultados apareceram.

Quem resume o futebol a ganhar ou perder ajuda a perpetuar a cultura do "rouba, mas faz". Que basicamente resume-se a um "fins justificam os meios". Se é para ganhar, não importa como. Isso está, infelizmente, arraigado em nossa sociedade. E, claro, no futebol.

É neste cenário que dirigentes se perpetuam nos clubes, que políticos se perpetuam nos cargos. Ganhou? Ótimo. Gênio! É o presidente que levou o clube ao título brasileiro! Ao da Libertadores! Perdeu? Impeachment! Fora! Ladrão! Mercenários!

Poucos torcedores estão preocupados com a saúde financeira dos próprios clubes. Com os próximos 10 ou 20 anos. Querem ganhar. Aqui e agora. É só o que importa. Vivemos um imediatismo tosco.

As gestões da CBF, e a de Ricardo Teixeira é emblemática neste sentido, foram sendo constantemente salvas pelos resultados de campo. A seleção brasileira tornou-se um produto mundial e que dá muito dinheiro. E, como os resultados sempre vieram, com mais ou menos constância, mas sempre vieram, os olhos ficaram fechados para a corrupção, a roubalheira, os absurdos.

Tudo isso com a conivência dos torcedores. Mas com a cumplicidade de parte da imprensa, a tal imprensa oficial, sócia, que precisa da audiência, do dinheiro, das exclusivas, das vantagens. Ao longo de anos, fomos alimentando a cultura de resultados. Do "o que importa é ganhar".

Tudo isso sem pensar no futuro e sem olhar para além mar.

E como explicar vitórias? Com heróis, oras. E derrotas? Com vilões.

Para que analisar a fundo uma seleção, um sistema de gestão, o futebol brasileiro, se podemos resumir o título de 94 a Romário, o fracasso de 98 a Ronaldo, o sucesso de 2002 ao mesmo, o fracasso de 2006 ao meião de Roberto Carlos, o de 2010 à loucura de Felipe Melo? É e sempre foi mais fácil individualizar tudo, rotular santos e demônios.

O problema do futebol brasileiro é e não é a tal "geração atual" ao mesmo tempo.

O problema é este se olharmos para o futebol como sempre olhamos. Para algo individual, não coletivo. Realmente, não há craques como antigamente. Vai ser difícil achar que este grupo atual de jogadores salvará a pele dos dirigentes, como outros o fizeram.

Mas o problema NÃO é este se olharmos a coisa de forma mais ampla.

Será que os brasileiros que são ruins? Ou os outros países que nos alcançaram tecnicamente? Porque vejam, é bizarro achar que jogadores de futebol brotam das maternidades. Há todo um contexto que desemboca, 18 ou 19 anos depois, em um baita jogador de futebol. Contexto social e também de treinamento, aprendizado, vivência.

Apontar o dedo para a "geração atual" pode levar a um nefasto próximo passo: esperar sentado pela próxima geração. E ficar na torcida. Será esta a solução?

O fato é que as recentes administrações corruptas e incompetentes da CBF colheram os frutos de quando o Brasil ainda era, de fato, o país do futebol. Mas não plantaram absolutamente nada para as gerações futuras. Arruinaram o futebol interno, com a cumplicidade dos clubes, federações locais, TVs e até governos.

E, enquanto o futebol mudava no mundo todo, nada acontecia aqui. O Brasil ficou parado no tempo. E o nosso atual momento é reflexo direto da falta de planejamento e visão dos que mandavam 10, 20 anos atrás.

Enquanto comemorávamos sermos "os melhores" após o penta de 2002, a Alemanha, finalista da mesma Copa, já mudava radicalmente todo seu sistema interno (base, primeira e segunda divisões, conceitos de jogo).

Colheram os frutos com o tetra no Maracanã, em 2014. Mas não é isso que "prova" que eles seguiram o caminho certo. É isso também. Mas é, além disso, uma liga cada vez melhor e mais forte, clubes saudáveis, futebol como parte importante da economia nacional e até de integração e tolerância, em um país cheio de imigrantes de vários locais.

O sucesso do futebol alemão não está no troféu levantado no Rio. Está no fato de filhos de turcos, poloneses, negros, brancos, mulatos estarem defendendo as cores do país. E esta não ser uma questão. Ser parte da seleção, como é da sociedade. E isso deve-se a um imenso trabalho iniciado 16 anos atrás, envolvendo clubes, comunidades, prefeituras.

A CBF nunca fez NADA para que a sociedade brasileira se beneficiasse das décadas de sucesso da seleção. E vice-versa. A CBF é uma chupim da pobreza social, da ignorância. E a sociedade como um todo conforma-se em se achar muito bom em algo, já que somos tão ruins em tanta coisa. Uma relação que não traz riqueza alguma.

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Tite é o melhor treinador do Brasil faz tempo. Deveria ter sido colocado lá pelo manda-chuva (que não pode sair do Brasil para não ser preso) há dois anos.

Tite faria um belíssimo serviço à nação se viesse a público dizer que não pode trabalhar com canalhas. Mas enfim, talvez seja um pouco demais pedir isso.

A presença dele é, sem dúvida, um upgrade em relação a Dunga. Tite é um cidadão que prioriza o futebol coletivo, que tem conceitos avançados e ótimo trato com seres humanos. Que enxerga o futebol de modo moderno, não atrasado. Que com ele venham pessoas como Leonardo e Edu Gaspar é uma baita notícia boa.

Quem sabe os resultados da seleção principal mudem. O caminho, pelo menos, é o correto.

No entanto, que sigam no comando as mesmas cabeças brancas que deveriam estar atrás das grades. Que o futebol de base siga refém de empresários. Que os clubes sigam sendo comandados por gângsters, sonegadores, exploradores das riquezas históricas destas entidades. Que os treinadores sigam escorados em feitos e conceitos do passado. Que os torcedores sigam achando que ganhar, do jeito que for, basta. Que parte da imprensa siga tratando tudo de forma rasa e individualizada. Que os jogadores sigam gostando apenas de jogar futebol, sem conhecer verdadeiramente o esporte e sem ter a carreira atrelada a um processo educacional. Que os empresários sigam chupinhando clubes e mandando como mandam, mimando quem deveria ser educado.

Que siga, enfim, tudo errado…

Não é para animar muito.

Boa sorte a Tite, uma grande figura. Trocamos um tosco por uma grande pessoa. Já é um grande começo.

Mas este é apenas o topo da pirâmide. E a base dela está caindo de podre. O 7 a 1 e o vexame na Copa América Centenário deveria abrir os nossos olhos para a base da pirâmide. Abriram apenas para o topo. OK, é alguma coisa, se olharmos o copo meio cheio, em vez de meio vazio.

Mas seguimos aqui lutando para iluminar esta triste realidade.

 

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.