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Julio Gomes

Classificação do Atlético de Madri é a vitória do orgulho e da estratégia

Julio Gomes

13/04/2016 18h50

Orgulho. Palavra forte. Palavra usada somente às vezes, não sempre. Porque sentimentos fortes não podem ser expressados de forma banal. O orgulho é um dos sentimentos mais bonitos e emocionantes. Ter orgulho de algo ou de alguém não é pouca coisa.

Ter orgulho de uma camisa, de fazer parte de um grupo de pessoas e traduzir isso em esforço, suor e lágrimas é meio caminho para o sucesso no futebol. Poucas vezes vi na vida um time com tanto amor próprio, com tanto orgulho como o do Atlético de Madri dos últimos quatro anos e meio – desde a chegada de um tal Pablo Simeone.

Raríssimas foram as ocasiões, na história do futebol, em que vimos uma mescla tão grande entre pessoa e instituição. Simeone e Atlético de Madri são, no fim das contas, a mesma coisa. Sim, é claro que um vive sem o outro. Mas nunca viverão tão bem separados como vivem quando estão juntos.

Quando o sorteio das quartas de final da Champions League colocou frente a frente Barcelona e Atlético de Madri, eu imediatamente pensei em uma expressão que se transformou em título de um post aqui neste blog. "O Barça vai ter de suar sangue para passar do Atlético". E aí eu pergunto para você, leitora, leitor, que assistiu ao jogo de volta em Madri: o Barça suou sangue?

A resposta é um sonoro "não".

E é isso que times orgulhosos, como o Atlético de Madri, fazem. Obrigam os rivais a serem melhores do que ele. Se forem, parabéns. Se não forem, não ganharão. Sabe aquela coisa do "tal time não fez sua melhor partida, mas ganhou.."? Pois é, isso não acontece com times que enfrentam o Atlético de Simeone.

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O Barcelona de Luis Enrique, apesar dos resultados similares, não é igual ao de Guardiola. Joga de outra forma. Mais vertical, é verdade, aproveitando-se de possuir três dos melhores atacantes do mundo e que fazem tudo bem: gols, assistências, dribles, deslocamentos. Quem deu o contra ataque ao Barcelona nos últimos dois anos foi assassinado em campo.

O que fazer, pois, contra esse time? Não dar o contra ataque nunca, em nenhuma hipótese. E, claro, ter mecanismos de ajuda e compactação para conseguir defender bem contra o Barcelona quando este estiver te empurrando contra o próprio gol.

Ninguém fez isso tão bem contra o Atlético de Madri nos últimos dois anos. É verdade que o Barça vinha de sete vitórias seguidas sobre o Atlético desde a chegada de Luis Enrique, no meio de 2014. Mas quem assistiu a estes sete jogos sabe do que estou falando. Nenhum foi fácil. Em nenhum momento o Atlético entregou os pontos, sentiu-se derrotado em campo. Cansado sim, batido, jamais.

Estrategicamente, o Atlético de Madri foi perfeito nesta quarta-feira. A enésima prova de que no futebol de hoje em dia o esforço coletivo, a tática empregada em campo são mais importantes que o fato deste ou daquele jogador ser "melhor" que outro.

O Atlético fez valer o seu jeito de jogar futebol. Que muitos acham que é só de marcação e estão redondamente equivocados. É um grupo de jogadores que marcam como nenhum outro faz no mundo, é verdade. Uma brutal sincronia de movimentos para marcar de forma adiantada, tentando roubar a bola, e também fazendo a recomposição quando a primeira linha é furada. Bons na bola aérea, na concentração em cada lance, na criação de ajudas e maiorias, bons para fazer faltas táticas e importantes, para dar chutão quando necessário.

E ótimos, e é isso que muitos não percebem, quando recuperam a bola. O time do Atlético é tecnicamente refinado, sim senhor. Capaz de sair trocando passes do campo de defesa, mesmo sob pressão, em altíssima velocidade. O passe de três dedos de Saúl para o gol de cabeça de Griezmann mostra bem o que estou dizendo. Como dizer que esse time é "tecnicamente limitado", como muitos gostam de "analisar"?

O Atlético é tecnicamente muito bom, mas muito mesmo. E esse toque de classe era o que faltava para Simeone elevar o time a outro nível.

No Barcelona, após 39 jogos sem perder, foram 3 dos últimos 4. Crise. Sem dúvidas.

E a principal explicação está em Lionel Messi, que voltou sumido dos jogos com a Argentina pelas eliminatórias. Hoje, para furar a defesa atlética no Calderón, o Barça precisava que Messi colocasse a bola debaixo do braço e resolvesse. Simplesmente não aconteceu. Messi recuou para buscar jogo, como sempre é obrigado a fazer contra o Atlético, mas não estava inspirado. Não resolveu com dribles nem com nada. E sem Messi, amigos… esqueçam. O Barça é capaz de superar ausências de Neymar e Suárez, mas não de Messi.

Luis Enrique contribuiu, tirando Daniel Alves de campo para a entrada de Sergi Roberto. Com o histórico de Daniel em partidas decisivas, esse me pareceu um erro brutal.

E a arbitragem? E o pênalti não marcado para o Barcelona no finalzinho, quando o Atlético ganhava por 2 a 0?

Quero lembrar que quem chuta a bola que toca no braço de Gabi dentro da área é Iniesta. O mesmo Iniesta que 2 minutos antes havia cortado com o braço um lance de gol do Atlético de Madri, resultando em pênalti. Iniesta trocou o gol certo pelo pênalti e a expulsão. O pênalti veio, tanto que Griezmann fez o 2 a 0. Mas a expulsão, de forma inacreditável, não. Iniesta deveria estar no vestiário quando chuta aquela bola no braço de Gabi. E, honestamente, que o Barcelona reclame da arbitragem depois do que aconteceu no primeiro jogo, no Camp Nou, só pode ser brincadeira.

A classificação do Atlético é justa. Inesperada somente para quem não acompanha de perto. Foi a vitória da coragem. O olho roxo de Godín, que mais parecia um pugilista golpeado do que um jogador de futebol, é a marca desta classificação para as semifinais do maior campeonato de clubes do mundo – a segunda em três anos.

Se eu fosse Real Madrid ou Bayern de Munique, iria querer pegar qualquer um no sorteio de sexta-feira. Menos o time desse tal de Simeone…

 

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.