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Julio Gomes

Cruyff e o legado que é (muito) maior que conquistas

Julio Gomes

25/03/2016 07h00

Sabem o Barça?

Como assim "sabem o Barça"? Claro que sei, oras. O Barça do Messi, do Neymar? De Romário, Rivaldo, Ronaldinho…?

Sim, esse mesmo…

Ué, que pergunta idiota.

Idiota, é verdade. Idiota porque hoje em dia qualquer um sabe do que se trata quando falamos no Barcelona. Um clube maior do que a própria cidade. O mais admirado no mundo. Um mundo globalizado, notem.

E o Barça seria o Barça se não tivesse existido um cidadão chamado Hendrik Johannes Cruyff?

(cri cri cri)

 

cruyff

 

Nem o Barcelona nem Barcelona nem o futebol nem o mundo como conhecemos teriam sido os mesmos se não tivesse passado Cruyff por aqui.

Muito foi escrito ao longo da quinta-feira, data da morte do mito holandês. Gente que viu Cruyff de perto, viveu na época em que ele jogava, pessoas que podem falar melhor do que eu sobre ele. Não gastarei linhas para elogiar o jogador completo e revolucionário que ele foi, o técnico igualmente impactante.

A lista de 5 maiores jogadores de futebol da história tem sempre Pelé, Maradona e os outros nomes variam de país para país.

Qualquer lista que não contenha Cruyff está equivocada. Porque na hora de listarmos os melhores, não podemos apenas pensar em número de gols, de títulos, plástica, etc. A coisa mais importante é o LEGADO. A influência nos rumos do esporte. Se Pelé revolucionou a definição da palavra "atleta", Cruyff revolucionou o próprio jogo. O futebol era de um jeito, passou a se desenvolver de outro até chegar onde estamos.

A última grande influência veio com Guardiola. Que era treinado por quem mesmo?

Ao longo da vida, ouvi muitas vezes o nome de Cruyff ligado ao fato de não ter vencido uma Copa. "Que pena, aquela Holanda". Como se isso tivesse a mínima importância perto da história feita pelo Ajax na Europa, a revolução tática que representou o Carrossel Holandês e, claro, a transformação do Barcelona de um clube local para mundial. De uma entidade de sucesso esporádico para a mais campeã de todas.

Porque Cruyff não apenas jogou no Barça. Não apenas treinou o Barça. Ele inspirou o Barça. Seguiu sendo uma influência monumental até o último de seus dias. Tudo o que ele falava ou escrevia era atentamente analisado, dissecado, seguido. Como se fosse aquela voz vindo lá do alto. Uma espécie de guru.

O futebol ensinado nas bases da Holanda e da Catalunha é inspirado nos conceitos que Cruyff ajudou a difundir. O futebol de hoje, muito mais tático e coletivo que individual, é parte do legado de Cruyff.

Vivemos em um país, e isso não é exclusividade brasileira, está impregnado no mundo ocidental, em que frases estúpidas como "o segundo colocado é o primeiro dos últimos" viram mantra.

A competitividade é ensinada em casa e nas escolas, muito antes da ética. Aliás, a ética é massacrada pela competitividade. Nunca o "fins justificam os meios" esteve tão presente. O que importa é ganhar, mesmo que atropelando pessoas, princípios, sociedades. Se você não é um vencedor, você é um m…

É por isso que o nome Cruyff, aqui, vem muitas vezes acompanhado do rótulo de "não ganhador de Copa".

Não deveria importar o que ele ganhou ou deixou de ganhar como jogador ou treinador. Enquanto alguns vão para o túmulo deixando troféus na estante, Cruyff vai para o túmulo deixando um esporte diferente, do jeito que ele achava que tinha de ser jogado. Do jeito que ele visualizava.

Pessoas se vão, ideias ficam. Passei o dia com uma camisa laranja da Holanda.

O dele é um legado gigantesco. Johann não morrerá nunca.

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.